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20  09 2008

Outros tempos

Passear por Angola é como fazer uma visita a um Museu de História Natural. Vemos marcas do passado a cada canto.

Só por brincadeira, resolvi mostrar aqui algumas.

Avistei em Benguela uma peça da História Portuguesa, fabricada bem perto de casa, lá em terras lusas. Um magnífico UMM. Verde, como não poderia deixar de ser.


Inconfundível

Na verdade já vi dois UMM parados e em Luanda sei que ainda circula um. Esse foi repintado. Deixou de ser verde militar e passou a ser verde alface.

Outra coisa que se vai mantendo ao longo dos anos são os letreiros dos negócios já desaparecidos.


Hotel Globo, em Luanda

Os monumentos que foram retirados dos seus pedestais e paredes foram encontrando caminho até à Fortaleza de Luanda, onde foram amontoados num misto de respeito e desprezo. Não foram destruídos por respeito, mas não foram mantidos por desprezo ao colono.


Sinos quebrados e placas centenárias

A Fortaleza é um bom sítio para ver estas marcas do passado. Está tudo no mesmo sítio. Vamos lá dar mais uma voltinha.


O topo de um padrão

A colecção é um pouco heterogénea. De um lado estátuas empilhadas, do outro máquinas de guerra.


Um despojo de guerra

Há estátuas que vieram às peças. Foram encostadas a um canto e passaram a ver o mundo segundo uma perspectiva diferente.


Uma crise existencial

As ruas mudaram de nome a seguir à independência. Muitas continuam a ser chamadas pelo nome colonial porque o nome revolucionário nunca chegou a pegar. As avenidas mais importantes foram as primeiras a ser rebaptizadas. Alguns marcos toponímicos mais imponentes não podiam ser simplesmente emendados. Foram retirados e deixados algures.


Os marcos que assinalavam a Avenida de Lisboa

Nem tudo foi retirado do sítio. Algumas peças, por fazerem parte da História de Angola, ou por darem mais trabalho para retirar do que simplesmente ignorá-las, foram ficando e resistem até hoje.


Um brasão esquecido na Fortaleza

A propria Fortaleza de Luanda é um resquício do passado. Agora é o Museu Militar.


Pintada e recuperada

No meio de tudo isto encontrei um candeeiro que já assistiu a cinco regimes. Nasceu na Monarquia, assistiu à Implantação da República, ao aparecimento do Estado Novo, à Revolução dos Cravos e à Independência de Angola.


Mais-velho

No meio de muitas estátuas não identificadas encontramos algumas que não precisam de legenda nem apresentação.


Vasco da Gama, filho da Vidigueira

São estátuas vindas directamente do ideal imperial incutido no Estado Novo, mas não deixam de representar momentos altos da História.


Afonso Henriques, pai da Nação

Nos quartéis à volta de Luanda vemos os aviões das guerras pós-independência, os Mig-25, por exemplo. na fortaleza colonial vemos os aviões da guerra contra o colono. Curioso.


Relíquia voadora

Lá para os lados da Marginal de Luanda surgem painéis de azulejos que marcam bem a época em que foram feitos. Mesmo após tantos anos de Sol tropical, mantém-se como novos.


Motivos angolanos

Na zona mais fina de Luanda, o bairro do Miramar, o estado de conservação das coisas é melhor e encontramos coisas diferentes.


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Antigas estruturas de lazer ainda funcionam, talvez não exactamente como nos seus tempos áureos, mas funcionam.


Cinema Miramar

Filmes já não passam nos cinemas ao ar livre, mas a esplanada continua a servir para manter a conversa em dia.

As marcas do passado não se resumem a edifícios ou monumentos, há também testemunhos vivos de outras eras. No final do outro tempo, angolanos de coração, mas com a cor errada tiveram de abandonar a sua pátria. Muitos perderam-se nesse mundo, com o rumo das suas vidas encoberto pela saudade. Antes de partir deixaram a sua marca. De vez em quando somos confrontados com um instante que ficou parado no tempo. Cruzamos o olhar com algo que nos transporta para a época em que tudo era possível. Depois percebemos que esse momento singelo não passou de uma despedida. Num até já que se transformou num até sempre.


A despedida – 1974

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Uma resposta a “Outros tempos”

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  1. “No final do outro tempo, angolanos de coração, mas com a cor errada tiveram de abandonar a sua pátria. Muitos perderam-se nesse mundo, com o rumo das suas vidas encoberto pela saudade. Antes de partir deixaram a sua marca. De vez em quando somos confrontados com um instante que ficou parado no tempo. Cruzamos o olhar com algo que nos transporta para a época em que tudo era possível. Depois percebemos que esse momento singelo não passou de uma despedida. Num até já que se transformou num até sempre.”

    Pois é Afonso. Não foram só os da cor errada que tiveram de sair de Angola. Também saiu muita gente da cor certa. E continuam a sair, os que podem…Angolanos de coração e Angolanos de nascimento Mas enfim, a História vai-se fazendo ao sabor do políticamente correcto ou do economicamente conveniente [porque, afinal, o que mudou foram as moscas e o tamanho delas, já que a m**** essa se avolumou com a saída dos que amam a terra] mas, as histórias das pessoas que tiveram de abandonar a única terra que conheceram, perder a família e os amigos ou até deixar para trás os seus ancestrais, essas histórias fazem parte da História que ninguém quer escrever. Incomóda muita gente.
    Uma pena que crimes contra a arquitectura colonial se cometam na Angola de hoje. Como se os fantasmas do passado e do presente se apagassem assim. Mas fazer mais o quê? Se se deixam viver/morrer irmãos angolanos na mais completa miséria e pobreza, sem qualquer dó nem piedade, porque razão não se hão-de “assassinar” edifícios?
    Enfim, a natureza humana no seu mais elevado esplendor tem contribuído muito para a História vergonhosa que se foi fazendo ao longo dos séculos. E isso, Afonso, não tem nada a ver com a cor (da pele, política, ou outra). Infelizmente, encontram-se exemplos desses em toda a parte do Mundo.

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