Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

30  09 2008

“Gasosa”? Não, “café”!

Quando fui deixar o R. e a P. ao aeroporto, o estacionamento para cargas e descargas das partidas estava todo ocupado por cones da polícia. Perguntámos a um polícia de colete laranja se podíamos ali parar para tirar as malas do carro. Disse que sim, mas que estacionássemos mais perto do passeio.

Ao fazer a manobra acabei por pisar um dos cones. O polícia que nos tinha autorizado a estacionar nem ligou e afastou-se.

Já as malas estavam no passeio quandos e aproximaram outros dois polícias de trânsito, mas desta vez sem os coletes. O que queriam já nós sabíamos antes de abrirem a boca. As suas caras não enganavam.

«Quem é o condutor?»

«Sou eu.»

«Os seus documentos.»

«Mas nós podemos estacionar aqui. Foi o seu colega lá ao fundo que autorizou.»

«Mas pisou o cone quando recuava. Vai ser multado. Os documentos da viatura.»

«Pisei um cone? Sou capaz, mas nem o vi. Estava preocupado em não bater no carro da frente.»

«Um cone é como um peão. Já tinha atropelado um peão. Vai ser multado.»
«Um cone não é um peão. Um peão vê-se pelo espelho.»

«Um cone é uma criança. Já tinha atropelado uma criança. Vai ter uma multa para da próxima vez andar com mais atenção. Vá até ali ao fundo para a gente conversar melhor acerca do seu caso…»

«Mas aqui não há crianças!»

Entretanto despachei o R. e a P. e dirigi-me ao outro lado do estacionamento para se tratar do caso fora da vista dos polícias que nos tinham autorizado a parar.

Do outro lado estava o resto do piquete. Fiz-me de parvo e perguntei o que se passava. Que os colegas me tinham mandado vir para aqui por causa de um cone.

«Se pisou o cone eles vão multar… mas podemos arranjar maneira de eu os convencer a fechar os olhos…»

«Eu já falo com eles.»

Impressionante. Ainda os outros estavam a caminho para a “gasosa” e já havia um terceiro a tentar a sorte.

Quando chegaram, a conversa repetiu-se. O cone é como uma criança. Vou ser multado. Tenho de estar atento às crianças atrás do carro.

Eu bem me perguntava o que fariam criancinhas a correr atrás dos carros no terminal de partidas do aeroporto, mas enfim…

O certo é que eles podiam mesmo multar-me porque pisei propriedade da polícia. Mas não me queriam multar porque isso dá muito trabalho.

Optei por mostrar a cópia do meu passaporte, apesar de não me terem pedido o passaporte.

«É cópia?»

«É, mas está autenticada pelo Cartório de Luanda.»

Deu mais umas voltas às folhas e depois reparou visto e no Ministério que o emitiu. A categoria pouco comum deixou-o de olhos arregalados. Dobrou as folhas bem depressa e entregou-mas.

«Não precisa disto para conduzir. Já tem a Carta Internacional. Não precisa disto. E a gente vai resolver o problema do cone.»

«Então como vamos resolver isso?»

Agora já tinha apresentado trunfos para regatear a “gasosa” sem chatices. Não estivesse eu cheio de vontade de ir para casa dormir, porque ainda nem eram 7h30, acho que podia ter tido a paciência de regatear uma “gasosa” a custo zero, no entanto, não me saí mal.

«Nós temos de ser amigos uns para os outros. O senhor manteve a calma, não agravou a situação, portou-se bem. Acho que até podemos ir tomar um café e esquecer a multa.»

PLIM! Já falamos a mesma língua.

«É, mas não pode ser um café muito grande. Já viu que na carteira tenho pouco. Uns 500 Kz.»

Tive o cuidado de abrir a carteira e mostrar duas notas de 500 enquanto tirava o passaporte.

«Um café não precisa ser grande. Um café é só prova de amizade. Eu sou o Miguel e quero ser teu amigo.»

«Eu sou Afonso. Vamos ser amigos, yá? Um café pequenino ainda se arranja.»

«Afonso? Então és kamba dele!» E apontou para o colega que o acompanhava desde o outro lado, também à espera de ganhar o dia.

Tirei duas notas de 500 kz, dobrei-as bem dobradinhas e cumprimentei o agente Miguel com um aperto de mão. Ouvi dizer que a tabela da “gasosa” ronda os 4000 Kz. Tive um desconto de 75%!

«Miguel, um café a cada um e ficamos todos amigos!»

«Yá, amigos! Da próxima vez, se precisares de lugar aqui, a gente arranja. Fala comigo que eu providencio!»

E foi assim que descobri que, em Luanda, um café pode ser um “café” e que um polícia se transforma num arrumador para os “amigos”.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

7 respostas a ““Gasosa”? Não, “café”!”

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  1. Que sorte desconto de 75%! Ficaste a ganhar… desconto e 2 amigos.

  2. Realmente!!! Sem comentários!!! E para a próxima, cuidado com as criancinhas laranjas!!!

  3. De que são feitos os cones da policia, aí em Luanda? Terão diamantes encrustados? Serão marcos históricos, quais pilares da sabedoria? Adensa-se o mistério dos cones que, supostamente, deviam ser móveis, mas em que ninguém pode mexer, sob pena de se ser atacado por uma chusma de guardadores sequiosos!
    Oferecem-se umas “gasosas” a quem desvendar estes crimes de lesa-magestade.

  4. Afonso,
    me passa o telefone do seu xará. Também quero ficar amigo dele para atropelar uns cones no aeroporto.

  5. Com amigos destes, nem vale a pena ter inimigos. “Esqueci-me ” de lhe pedir o número do telefone.

  6. “Gasosa”? Não, “café”! 🙂
    Segundo a Revista Sábado desta semana, oferecer gasosa é uma pratica nada invulgar segundo a International Transparency, que em 2007 colocou Angola entre os 35 países mais corruptos do mundo.

  7. Andréa

    Angola está entre os 35 mais corruptos… mas em que lugar? 35º ? ou estará mais nos tops?

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