Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

21  05 2009

Cacimbo Blues

A minha chegada a Angola coincidiu com o início da época do cacimbo. Foi uma quase continuidade do final da Primavera meridional. Associado à novidade de uma terra desconhecida, nem me apercebi verdadeiramente do céu sempre cinzento.

Depois veio o Verão, mais quente e com céu limpo. Por vezes até de um azul luminoso indiscritível. Dias em que tudo parece correr bem e só podemos reclamar do calor.

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No Verão

No início do meu segundo ano em angola, encontrei o Cacimbo pela segunda vez, mas agora não foi tão discreto. A transição dos dias de Sol para os de luz mortiça, parecidos com os dias de trovoada que nos fazem doer a cabeça, foi demasiado rápida. O mau humor instalou-se por todo o lado. Ficamos mais impacientes, com os nervos à flor da pele, cheios de vontade de reclamar disto e daquilo. Aos polícias acontece o mesmo e descarregam nos outros, o que ainda agrava mais o estado de espírito geral.

À minha volta vejo sinais evidentes da Depressão do Cacimbo, uma coisa que desconfiava não existir, mas que é tão real como as depressões que fazem os suecos suicidar-se aos milhares a meio do Inverno. Nem o Diário da África escapou! Parece que deixámos de ser capazes de ver as coisas boas.

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Vemos lixo em todo o lado

Agora, que já estava a esforçar-me por combater o que chamo de Cacimbo Blues, a EDEL, na sua infinita sabedoria, começou a cortar a electricidade vinte e duas horas por dia. Todos os dias. Já não estávamos habituados a ter de ligar o gerador e a contorcer-nos para conseguir encher-lhe o depósito. Pelo jornal, fiquei a saber que os cortes durarão a semana toda. Com os frigoríficos desligados, começo a pensar se terá sido sábio ter ido comprar comida no fim-de-semana.

Só há uma maneira de encarar isto: adaptar o Indigo Blue do Gilberto Gil e passar os dias a cantar

Cacimbo Blue, Cacimbo Blue
Cacimbo Bluzão! 

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

4 respostas a “Cacimbo Blues”

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  1. É incrível o efeito da luminosidade sobre o humor. Mas o primeiro passo para o autocontrole é o auto-conhecimento
    (um com hifem, outro sem hifem, um dos dois eu acerto).

  2. 22 horas sem electricidade, é dose. Pelo menos, ouvi dizer que estavam a fazer algo para melhorar essa situação. Espero que seja a sério!

  3. É. Antigamente, quando alguém dava mostras de alteração drástica da personalidade, dizia-se que estava “cacimbado”.
    Um “cacimbado” era alguém que tinha “pirado” ou que se tinha “passado”.
    Conheci alguns que foram afectados pela “doença”, mas sempre achei que esta só infectava os mentalmente mais frágeis e que isso tinha a ver com questões colaterais ao ambiente de guerra e seu efeito sobre os nervos de cada um.
    Hoje, reconheço que o clima influencia o nosso humor e a forma como encaramos as vicissitudos da vida.
    mas não há nada como um dia a seguir ao outro para nos animar.
    EC

  4. ahahahah…tamos todos “cinzentos”! Já pensou se tivessemos cacimbo durante 6 ou 9 meses? Cruzes…

    Olhe, vem aí mais um fim de semana prolongado, vá até Malanje ou Kalandula ou Dondo. Nesta altura do ano o “mato” é muito bonito.

    Abraço

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