Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

06 2009

Cumprindo o provérbio

Costuma-se dizer que a sabedoria popular, quase sempre transmitida sob a forma de provérbios, é fruto da observação directa de fenómenos ou situações. A previsão do estado do tempo é um bom exemplo, porque há dezenas de ditos, provérbios e reparos empíricos acerca do tema.

Angola não é uma terra diferente das demais neste aspecto. Os provérbios nascem da mesma maneira. Serão, talvez, a primeira forma de História inventada. São fáceis de decorar e transmitem sempre algo de útil, mesmo que não pareça.

Em Luanda, na última grande chuvada do Verão que terminou, assisti a um episódio que me lembrou um provérbio angolano.

A meio da tarde cinzenta, umas gotas tímidas começaram a pintalgar os passeios, fazendo assentar o pó. Uns minutos mais tarde, os pregões das zungueiras deixaram de se ouvir, enquanto procuravam um toldo para se abrigarem. A chuva começou a cair com mais insistência e as ruas esvaziaram-se. Tirando o ocasional carro a passar, só o choro das crianças, prontamente interrompido com uma mama na boca, perturbava o barulho da chuva quente a cair com força.

Num instante, as ruas secas transformaram-se em rios caudalosos, fazendo lembrar os rios temporários que se enchem subitamente de água castanha e lixo flutuante. Debaixo das varandas e dos toldos, as zungueiras velavam pelos alguidares ainda cheios, mostrando um dia fraco, com os clientes também fugidos da chuva.

Durante esta espera aborrecida, uma das mulheres começou a despir a filha. Pendurada por um braço, a menina não reclamava enquanto a mãe lhe puxava a roupa e a deixava nua. Entalava a roupa no pano que há pouco lhe segurava a filha e depois, sem grandes contemplações, deitou-a de costas na valeta, onde corria a água da chuva. Com uma mão segurava-lhe as costas e com a outra dava-lhe banho. A menina continuava impávida. Secou-a numa das pontas do pano, vestiu-a e pô-la às costas.

«A mulher asseada vê-se no Cacimbo», lembrei-me.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Cumprindo o provérbio”

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  1. Lindo sabu (proverbio em kimbundo). Maravilhosa observação intercultural! A propósito:
    Putu ialonga, kimbundu kialongolola.
    O portugues ensina e o kimbundo explica.
    De Jisabu (provérbios em kimbundo) na INTERNET

  2. Há quem diga que a água da chuva, faz as pessoas ficarem mais bonitas… Se assim for essa criança será muito bonita porque, até toma banho com a água da chuva.
    Será que existe algum provérbio sobre o assunto?

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