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26  06 2009

Jornais velhos

Se há coisa que gosto de fazer é de ler jornais velhos. As notícias desactualizadas, que perderam a importância relativa da época ficam com um sabor especial. É um processo curioso retirar as várias camadas de interpretações e correntes vigentes na altura em que a notícia foi escrita e tentar chegar ao facto que lhe deu origem. Acabamos por o interpretar de uma forma diferente, por vezes mais desprendida.

As previsões mais ou menos imprecisas, quando comparadas com o que aconteceu realmente são motivo de diversão e, por vezes, meditação. Apercebemo-nos que, nas épocas mais optimistas, as previsões costumam apontar para um mundo fantástico, onde o único limite é a imaginação. Nos períodos de crise, projecta-se o caos, tumultos e mais desânimo. São raras as previsões que contradizem o espírito da época, como que tentanto assegurar que o mundo é mais estático do que realmente é. Teme-se a mudança, porque isso terá consequências directas nos nossos hábitos.

Em Angola não me costumo cruzar muitas vezes com jornais velhos e este pequeno prazer é adiado por uns meses de cada vez, no entanto, descobri um sucedâneo muito próximo.

Ler o Jornal de Angola, com as suas notícias sempre boas, quase a roçar o surrealismo, que relatam conquistas do Governo e da Nação, que afagam o orgulho angolano e reforçam as maravilhas do melhor país do mundo. Lemos as notícias, mas não conseguimos esconder a impressão de que algo não bate certo; sentimos o mesmo deprendimento que experimentamos ao ler um jornal velho. Os temas do dia são aqueles, mas não se ajustam exactamente à realidade. É como ler um artigo acerca da crise do petróleo dos anos setenta reciclado para a crise de 2008, mas em tom optimista, claro.

Seriam assim os jornais do Estado Novo?

Jornais_velhos
Estilo Jornal de Angola

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Jornais velhos”

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  1. Caro Afonso

    Sou um leitor assiduo do teu blog, admiro bastante o teu vaticinio social e gosto da forma que retratas as makas da mangurra ‘Angola’. Os seus artigos são simplisments bonito, já agora acoselho-te a ler os Jornais privados tais como: Semanario Angolense, Folha 8, Cruzeiro… Nessesorgãos de comunicação os jornalistas são mais serios e a informação esta + proxima da verdade. Já a mídia Estatal é controlada pelo Regime Eduardista “JES”, MPListico…

    http://semanario-angolense.com/home/

  2. Costumo ler os restantes jornais e confirmo que apenas o oficial tem o gostinho de jornal velho.

  3. (…)Seriam assim os jornais do Estado Novo?

    Não, não eram assim os jornais do Estado Novo, salvo uma ou outra excepção. Mesmo os jornais afectos ao regime (o mais lido dos quais era, sem qualquer sombra de dúvida, o “Diário de Notícias”) abstinham-se de fazer considerações triunfalistas sobre a situação política e económica do país, em face da situação prevalecente de guerra colonial e de isolamento diplomático que o país sofria na cena política internacional. Esses jornais vituperavam, até, alguns países aliados de Portugal na NATO, sobretudo os Estados Unidos, por apoiarem os “terroristas” que lutavam pela independência das “províncias ultramarinas”.

    Mesmo em Angola, onde os colonos viviam numa espécie de euforia desenvolvimentista que faz lembrar a de agora (embora o acelerado desenvolvimento do território quase só beneficiasse a minoria de pele branca), só havia uma coisa indigna de ser chamada jornal, chamada “Diário de Luanda”, que cantava loas ao regime pelas maravilhas da sua acção no crescimento económico do território. Mas esta folha de couve era tão má, tão má, que praticamente ninguém a lia (nem mesmo os colonos mais extremistas), só subsistindo à custa de subsídios públicos.

    De uma maneira geral, e contra o que o Afonso possa pensar, durante o Estado Novo houve em Portugal uma mão-cheia de excelentes jornais, capazes de fazer inveja a qualquer um dos que se publicam agora. Para dizer a verdade, não há, presentemente, em Portugal nenhum jornal que se possa equiparar em qualidade a alguns dos jornais do tempo da “outra senhora”, tais como o “Diário de Lisboa”, “A Capital” e “O Século” (em Lisboa), “O Primeiro de Janeiro” (no Porto) ou “A Província de Angola” (em Luanda). Nem o jornal “Público” nem o recém-nascido jornal “i” (http://www.ionline.pt/conteudos/home.html) se lhes podem comparar. Aqueles eram jornais muito bem feitos e com excelentes profissionais nas suas equipas redactoriais, apesar das limitações técnicas que existiam na época e das estúpidas restrições que lhes eram impostas pela censura. Quem nos dera tê-los agora de volta.

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