Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

30  06 2009

Crónica de guerra

A varanda da Aerogare do Huambo é um local fantástico para se conhecer mais um pouco da História de Angola, nem que seja através dos pequenos episódios que nunca chegam aos livros.

No intervalo entre os aviões que chegam e partem, pouco mais há para fazer que olhar para o céu e, indecentemente, escutar fragmentos de conversas que o vento traz.

Desta feita, quatro militares sentaram-se na mesa ao lado, partilhavam memórias do tempo da guerra, que uns tinham vivido e outros já só tinham ouvido contar, por serem demasiado novos.

O mais velho, da Força Aérea, puxou do tema do último ataque ao aeroporto do Huambo, por parte das forças da Unita. Não mostrava saudades da batalha, mas agora sentia-se demasiado relaxado.

Casa de Jonas Savimbi destruída
Chez Savimbi

Um oficial bem mais novo contou a sua versão do que se passou nessa manhã, pelo ponto de vista de quem se tinha visto no meio de uma guerra sem saber bem como.

«No dia em que a guerra começou, no dia 9, eu ainda nem sabia disparar a arma. Meti a cartucheira e depois foi o Kota Jamaica que me mostrou como se fazia.»

Outro atalhou: «O Jamaica correu por ali e só parou lá no fundo. Nunca tinha medo. Deu bwé de tiros.»

O mais velho acrescentou «É, ele safou muitos aqui…»

Prumo metálico crivado de buracos de balas
Violência

Temores e aventuras passados entre os abrigos de terra que protegiam os aviões e os soldados foram pintando uma história de bravura e improvisação numa batalha confusa. Mais umas cervejas e o assunto foi mudando para coisas mais mundanas: as namoradas, o carro novo, quem pagava a rodada seguinte.

Foram interrompidos pelo Capitão, que tinha chegado à esplanada. Em jeito de início de conversa, avisou o oficial mais novo: «Se não me dás saldo, nunca mais chegas a segundo tenente!». Deixei de prestar atenção à conversa. O novo assunto tinha menos interesse que o jacto que acabara de aterrar e se dirigia à placa.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

21 respostas a “Crónica de guerra”

Nota: Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados.
  1. Admiro os teus postes, mais por vezes fico indignado, uma vez que só retratas os pontos negativos de Angola! Por vezes me pergunto a mim mesmo: Será que tu é a maior parte dos estrangeiros que trabalhaõ aí e ganhão salarios que menos de 10% do cidadão comum angolano, só pretende dar uma imagem negativa de Angola ao mundo?!?!? Porque é que não tentas mudar um pouco essa retrospectiva??? Porque é que não divulgas um pouco Angola de forma positiva?!?!?! Porquê?Porquê???

  2. Se há artigos em que retrato coisas negativas, também há muitos onde falo de coisas boas. Basta ir procurando nos mais antigos.

    Neste artigo, para além de ter falado do que foi a vida dos angolanos durante décadas, não sei em que poderei ter denegrido a imagem de Angola. Contei apenas a história que poderia ter ficado esquecida, de um jovem que foi apanhado no meio da guerra sem saber sequer como combatê-la.

    Angola está em paz e deve pensar no futuro, sem esquecer o passado.

  3. Muitos foram novos pra guerra. Basicamente cairam lá de para-quedas e tiveram de se desenrascar pra sobreviver. Como esse oficial novo houve e há muitos, infelizmente.

  4. Senhor Afonso
    “Se há artigos em que retrato coisas negativas, também há muitos onde falo de coisas boas. Basta ir procurando nos mais antigos”.

    Segui a sua sugestão e o que encontrei:
    Coisas boas (positivas) as crianças. As crianças que fotografa e publica sem qualquer autorização dos pais e provavelmente dos próprios. Sempre nuas ou com poucas roupas. Isso demonstra falta de senso e de educação da sua parte e não estou a querer ir mais longe.

    Coisas más (as negativas) passa o seu tempo a falar mal dos pais dessas crianças (os adultos) e para além de o fazer também acerca desse país, consegue achar graça aos destroços da guerra e aos atropelamentos dos animais.

    Percebi também durante a minha viagem no seu blog que gosta que sejam educados consigo, e quando não o fazem faz-se de vítima, mas o Senhor não merece sequer que o tratem mal… desprezo é o que merece.

    PS – Utilize esse seu jeito para escrever (do qual se nota que se sente tão inchado) fazendo umas descrições das coisas sem gozar com elas, porque qualquer dia ninguém o leva a sério…

  5. Caro Jorge Ferreira,

    Não obrigo ninguém a gostar do que escrevo ou de como escrevo, aliás, nem sequer obrigo ninguém a ler o que escrevo. Quem quer discordar, está no seu direito e, desde que seja educado, aceito críticas e sugestões. Provavelmente, também não gostará que lhe entrem em casa e o insultem.

    Só encontrou coisas boas nos artigos das crianças? Só encontrou coisas más nos adultos? Procurou pouco.

    O Aerograma é algo de pessoal e reflecte apenas uma visão de Angola. Acredito que haja outras que lhe interessem mais. Se não gosta dos assuntos, ou da maneira como escrevo, tem bom remédio: não leia! Se procura o politicamente correcto ou apenas um hino à grandeza da Nação, leia o Jornal de Angola.

    PS: Nunca pedi que me levassem a sério…

  6. Caro Afonso,
    Acho uma piada do caraças à malta que vem aqui mandar postas de bacalhau aos seus (maravilhosamente escritos) relatos. Quero aproveitar para também o chatear um pouco: porque não apaga as bocas destes mentecaptos que só vêm nas suas observações críticas ao país? Porquê? Porquê? É só uma opinião.
    Como invejo essas viagens ao Huambo… Fiquei muito bem impressionado com a cidade. Na minha opinião é a mais organizada de Angola, deixando a 2ª a anos-luz.

  7. Caro Jorge Lucas Ferreira

    O que se escreve neste blog (ou noutros) são impressões pessois do autor sobre o seu dia a dia e todas as descobertas (as boas e más) que se podem fazer num país novo.
    Como cada um ainda pensa e sente de maneira diferente, não se pode esperar que o autor tenha opiniões iguais ás suas ou às minhas… o que eu acho triste é pegar-se em duas ou três palavras e tirar as conclusões que tirou sobre a pessoa que é o autor. Usando as suas palavras
    “Isso demonstra falta de senso e de educação da sua parte e não estou a querer ir mais longe”
    As coisas más que fala e com as quais critica o autor existem, fazem parte da história de um país e temos que saber aceita-las… se calhar o problema passa por aqui…

  8. senhor afonso
    “… mas o Senhor não merece sequer que o tratem mal… desprezo é o que merece….”

    Esta não é a sua “casa”, se não quer que o comentem deixe uma “palavra de passe” para os seus convidados.

    Fique bem

  9. Da última vez que vi, era o meu nome lá em cima, na barra de endereço do Aerograma. Concluo que esta é a minha casa.

    Os comentários enriquecem a experiência. Foi graças a eles que descobri recantos de Angola insuspeitos.

  10. Caro Engricky,

    Não acredito na censura de comentários. Com excepção dos verdadeiramente mal-educados, não os apago.

    Mesmo os mais incómodos, servem para me relembrar que nem toda a gente tem a mesma opinião.

  11. Qualquer pessoa pode ter o seu blog e postar nesses ambientes aquilo que desejar, podendo receber comentários e assim, interagir com muitas pessoas. Os comentários de quem não gosta são tão importantes quanto os de quem gosta, porque só assim o autor se apercebe da relevância do que escreve e do tipo de leitores que atrai.
    Uma visão de um determinado assunto não passa disso mesmo, é um ponto de vista entre muitos, e todos temos o direito de partilhar o nosso.
    Pessoalmente acho que este blog consegue algo muito bom, que é distanciar-se o suficiente para relatar os acontecimentos imparcialmente, e só muito raramente vejo os sentimentos de quem o escreve envolvidos no texto, mas também isso torna um blogue único, quem o escreve está no fundo a partilhar a sua experiência de vida, seja boa, má, positiva, negativa, agrade ou não a quem lê.
    Um blogue é de facto uma “casa”, onde todos os visitantes são bem vindos, e este anfitrião é dos simpáticos porque até nos deixa participar no que por aqui passa.

  12. Virar as costas para um problema não resolve o problema.
    Negar ou calar também não. E nem falsificar as percepções.
    A melhor coisa para melhorar uma imagem é corrigir a realidade dos fatos.
    Será que Tugas e Mangolés conhecem a história do gajo que mandou tirar o sofá da sala?

  13. Para quem está fora do assunto:

    Como a filha andava aos amassos com o namorado na sala, o pai resolveu o problema mandando tirar o sofá da sala.

    Mas isto faz-me lembrar a história da septuagenária que ia à farmácia comprar comprimidos para dormir. O farmacêutico diz-lhe que está a comprar a pílula e não calmantes. A senhora respondeu que dava um à neta todas as noites e dormia muito mais descansada.

  14. Caro Afonso,

    Eu estava a perder um debate e tanto! Li a Crónica de Guerra mas não fui aos comentários. Quando volto a reparar eram já em número de l3. Indesculpável.
    Então, se bem percebi, temos o sr. Jorge Ferreira, ou Lil Rover, o que for, indignado pelas coisas más e pelas coisas boas que o Afonso publica no Aerograma. Ele não se indigna por as crianças andarem na rua despidas, sem terem o que vestir e quem tome conta delas, não, o que parece preocupar o sr. Jorge Ferreira, ou Lil Rover, o que for, é que isso seja divulgado. E ainda insinua uma ameaça vil com “…e não estou a querer ir mais longe”. Ele não se indigna por Luanda ser uma enorme lixeira a céu aberto. O que o preocupa é que isso seja mostrado. O sr. Jorge, ou Lil, o que for, não se indigna pelos buracos que assolam as ruas de Luanda, mas acha mal que isso conste. Ele não se indigna pela corrupção instituida em Angola, antes de mais por quem manda, mas ver essa corrupção relatada no Aerograma já não acha bem. O sr. Jorge Ferreira, ou Lil Rover, o que for, não se indigna por alguns, poucos, em Angola serem muito, muito ricos, sem se lhes conhecer mister ou indústria e à custa de tanta carência e miséria. O que preocupa o sr. Jorge, ou Lil, o que for, é o que ganham aqueles que vão para Angola para TRABALHAR. Haja paciência.
    Não posso terminar sem mais uma vez expressar a minha gratidão pelas boas reportagens que o Afonso aqui deixa.
    Com os meus cumprimentos
    Elmiro

  15. Senhor Afonso
    Publicar fotos de crianças, seja na Internet, num website ou num blog não pode acontecer sem a devida autorização da pessoa ou parente nos casos de menores de idade.

    Algumas vezes as fotos das crianças foram acompanhadas do nome do local onde foram tiradas e respectivos nomes o que não é uma boa prática em termos de política de segurança.

    A publicação desses dados juntamente com dados pessoais ajudam a localizar uma dada pessoa num dado espaço físico, o que no caso de crianças e jovens (mas até nos adultos) pode servir para as colocar em risco.

    A net é um ambiente virtual sem fronteiras e nunca sabemos quem está do outro lado do computador.

    Este vizinho que entra em sua casa e que a continua a respeitar e a si também (só não estou de acordo com a forma como descreve as suas experiências) vem lembrar que a Comissão Nacional de Protecção de Dados desaprova este tipo de práticas.

    E seja feliz com os seus monólogos porque qualquer comentário que contrarie o seu pensar é de imediato contra-atacado por si e pelas pessoas que admiram as suas descrições e experiências vividas num país novo, novo?

    Lembro também que a expressão “Metrópole” está fora de moda e pode ofender muitas pessoas.

    Quanto ao facto de relatar as misérias existentes nesse país acho que o Senhor faz bem em o denunciar mas também tem a obrigação de contribuir para a sua resolução que deve ser por essa razão que aí está.

    Pode concluir que não “procurei pouco” no seu blog que conheci por alturas do “atropelamento espectacular” do pobre cão.
    JF

  16. Eu parece-me que o que está fora de moda são pessoas a pensar assim…

  17. Com medo de ofender qualquer uma das sensibilidades do mundo, ninguém abria a boca…

  18. Senhor Afonso

    Não se trata de ofender sensibilidades, trata-se isso sim, de tentar evitar que um erro grosseiro seja cometido. É que provavelmente ainda não deve ser pai, se fosse, nunca cometeria essas irresponsabilidades.

    Quanto aos restantes comentadores nem os comento pois seria duplicar o meu comentário e eu tenho um bocado que fazer.

    E vou dar-lhe uma alegria, eu não vou voltar mais a esta sua casa…
    JF

  19. Em relação à segurança dos menores retratados: Angola é um país que coloca todo o tipo de entraves à entrada de estrangeiros, até para TRABALHAR. Existe certamente uma infinidade de destinos mais atractivos para os pedófilos do que uma cidade remota numa província angolana (infelizmente, em espaços com livre circulação de pessoas, essas práticas estão bastante facilitadas).

    É pena que um leitor com sensibilidade para se preocupar com a segurança de menores (o que é de aplaudir), não tenha percebido que o post que fala do atropelamento do cão expõe a crueldade com se tratam os animais em Luanda. Conheço o Afonso há 13 anos e não consigo nomear quem goste mais de cães. Também não li um único vestígio de apologia à guerra fraticida cujas maiores (únicas?) vítimas foram civis, e cujas minas anti-pessoal – espalhadas da forma mais irresponsável e cretina – hipotecaram o futuro do país pelas próximas décadas.

    As críticas aos adultos são as que se justificam. Na cidade de Luanda não habita uma população, mas 4 milhões de pessoas que, na sua maioria, não têm sentido colectivo, e cujo objectivo é o lucro fácil à custa da indiferença perante o transtorno alheio. Há certamente excepções (conhecemos algumas), mas… serão suficientes para puxar o país para o rumo certo?

    Cumprimentos

  20. Eu também não sou grande fã da censura. Mas sou apologista da sensibilidade na transmissão de ideias e pontos de vista.
    Não vou para casa das outras pessoas mandar bitaites porque estou na casa delas e porque se não gostasse das suas ideias não ia à dita casa e irritam-me as pessoas que não têm essa sensibilidade. Só isso.
    Eu não conheço o Afonso pessoalmente e só acompanho esta casa há coisa de ano, ano e meio (ah, e só descobri hoje que afinal trabalha para uma instituição humanitária). Revejo-me em muitas situações e compreendo muitos dos sentimentos que interpreto. Gosto => Acompanho o blog. Eu não sou do FCP => Não acompanho o blog dos Super-Dragões.
    Se viessem a minha casa dizer que eu sou um insensível em relação a um assunto que eu me orgulho de ter uma sensibilidade extra, não permitiria esse comentário precisamente por achar que não trazem nenhuma ideia nova, além da questão do insulto, claro. No máximo respondia entre-dentes, mas nunca o deixaria “no ar”.
    Agora, se o sentido é fomentar a discussão… 🙂 Ponha! Ponha! Ponha!

    Quanto ao Sr. Iluminado:
    Metrópole
    s. f.
    1. Capital de estado ou de arquidiocese.
    2. Nação (relativamente às suas colónias).
    3. Grande centro científico, industrial ou comercial.
    Ora diga lá qual é que a sua mente inocente e descomplexada foi logo colocar na “boca” do anfitrião?

  21. A todos os Jorges Lucas Ferreiras, não me vou alongar em discursos e descrições sobre como se vive, o que se sente aqui em Luanda, contudo lanço-vos um desafio, em vez de se perderem em discursos tecnicistas e reprovadores, quando chegarem à altura das vossas férias, em vez de irem para locais como Republica Dominicana, sugiro que venham até Luanda descobrir a dura realidade, realidade essa de alguém que cruza estas ruas todos os dias vendo as crianças à sua sorte, semi nuas, a brincar em verdadeiras montanhas de lixo e nos charcos de água podre com cores esverdeadas e cinzentas, e atenção, não sou insensivel, também tenho filhos. Por favor, antes de tecerem qualquer que seja apenas para “ficar lindo na fotografia”, ponham de lado a vossa teoria que de nada serve a todas estas pessoas que passam privações, para passarem à prática e fazerem como eu, que todos dias partilho nem que seja 100 kw, um pão ou apenas uma simples “gasosa” para ver alguém sorrir. E meus senhores, eu nasci aqui, cresci em Portugal e voltei para “casa”. Todos os dias choro com o que vejo. . .

    António Fernandes

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