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13  10 2009

Não pronunciarás o nome da DEFA em vão

Os estrangeiros em Luanda estão habituados a ouvir pronunciar com uma espécie de assombro e uns olhares por cima do ombro o nome da polícia de estrangeiros. Poucos conseguem dizer a palavra sem baixar um pouco a voz ou fazer uma pausa comprometida e os outros dizem-na alto e bom som, mas disfarçam o calafrio que lhes percorre a espinha.

Tal é a reverência prestada à – olha em volta – DEFA, que a simples expressão «vou à DEFA» nos faz logo imaginar uma visita a um edifício austero e bem guardado onde teremos a sensação de que mil olhos invisíveis nos vigiam. No fundo, todos receiam ter de entrar na António Maria Cardoso, sede de outra instituição cujo nome era pronunciado com o pescoço encolhido, e já não sair.

Confesso que não estava a achar piada nenhum ter de ir à DEFA, e usei todos os pretextos para ir adiando. Quanto mais adiava, mais pequenas ficavam as janelas e mais armados ficavam os polícias do edifício que imaginava.

Diziam-me que ficava algures para os lados da Fortaleza, mas não conseguia identificar nenhum edifício que se parecesse remotamente com a imagem que formava. Entre o Palácio da Cidade Alta e a Fortaleza apenas existiam umas casas velhas e uns anexos de estilo provisório-definitivo com ar decrépito. Cheguei a temer que a DEFA fosse subterrânea e cheirasse a bafio. Pintei um quadro mental de corredores estreitos com as paredes escurecidas por milhares de corpos suados que se lhes encostaram, permanentemente iluminados por lâmpadas fluorescentes velhas, que enchem tudo com uma luz amarela tremeluzente.

Até que um dia fui lá.

Primeiro, subi uma rampa íngreme em direcção à Cidade Alta, desviando-me dos rapazes das motas que se divertem a subir e descer a rua o dia inteiro. Para cima só na roda de trás e para baixo sem travões. Na esquina, um edifício cujas entradas dizem todas serem reservadas a funcionários da DEFA prometia qualquer coisa. Lá em cima, à esquerda há o controlo policial para entrar no Palácio, à direita o acesso à Fortaleza e, em frente, a cancela do que parece ser um parque de estacionamento com uns contentores marítimos encostados a um canto.

Perguntei a um militar de óculos escuros onde era a DEFA. Apontou-me para o tal parque de estacionamento. Junto da cancela, dois polícias revezam-se a deixar entrar e sair dezenas de pessoas ou simplesmente a embirrar que têm de contornar um cone pela esquerda ou pela direita. Infelizmente, nunca estão de acordo sobre qual o lado certo e mudam de opinião frequentemente. Apanhei-os na altura em que discutiam um com o outro acerca de onde era a entrada. Entrei e fiquei boquiaberto. Aquele pátio entre três paredes de contentores é a DEFA!

Uma dúzia de contentores de vinte pés transformados em escritórios forma um U comprido. O espaço no meio está coberto com um telhado de chapa de zinco. Os bancos corridos aqui instalados são a sala de espera. Muita confusão, muito barulho, muitas caras negras, algumas caras brancas e dois chineses. Das janelas numeradas saem mãos que acenam a alguém na multidão. Processos entram e saem por frestas entre vidro. Funcionários de farda azul chamam alto nomes e são interrompidos por alguém que acabou de chegar e quer saber se já é a vez dele. A restante multidão reclama e grita para o recém-chegado «Deixa o homem trabalhar! Sai daí!».

Olho em volta e não acredito que isto seja a temida DEFA. Ao contrário de uma masmorra bafienta, o local é arejado e iluminado. Bem vistas as coisas, é ao ar livre, que é coisa que nunca me teria passado pela cabeça; e não é muito diferente dos escritórios dos restantes fiscais da DEFA que pedem documentos na berma das estradas.

Obviamente que isto é só o atendimento. O trabalho a sério deve ser feito no edifício da esquina e nesse ninguém entra. Ou se entrar, já não sai!

Suspeito que, da próxima vez que ouvir alguém dizer DEFA com o ar enfiado de quem pecou ao invocar o seu nome em vão, me dê vontade de sorrir. São piores os medos que imaginamos do que os que confrontamos…

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Não pronunciarás o nome da DEFA em vão”

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  1. Muitas Caras NEGRAS???? Este teu Racismo um dia vai te MATAR seu MERDA. Fugista da miseria portuguesa pra ir sobreviver em Luanda e ainda tentas descriminar as pessoas neh???

  2. O pior racismo é o que cada um vê nos outros. Sim, na DEFA há muitas caras negras, porque estrangeiros em Angola não são só os brancos…

  3. Caro Afonso,

    Se me permite vou dirigir-me directamente ao comentadador que dá pelo nome de “anti-estrangeiro”.

    “Anti-estrangeiro em Angola” é nome, sobrenome ou apelido? ou será profissão? É bom que esclareça isso, para avaliarmos a responsabilidade que lhe cabe pelos 7 (sete) milhões de angolanos a passar fome, em Angola, nâo em Portugal. Embora em Portugal também hajam angolanos (brancos, pretos e mestiços) e não vivam à grande e à angolana, mas fome talvez ainda não seja o caso. Muitas responsabilidades há que pedir aos profissionais “anti-estrangeiro” que meteram Angola num buraco.

    Um abraço para o Afonso.

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