Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

12  10 2009

A voz da consciência

Muito se fala da voz da consciência e daquelas famosas figuras que se sentam nos ombros das personagens de banda desenhada, vestidas de diabinho e anjinho, segredando conselhos mais ou menos sábios nos momentos de dúvida.

Por muito que pense no assunto, sinto-me incapaz de definir a minha voz interior. Não sei se é grave, aguda ou desafinada ou até mesmo de falsete. Aliás, nem sei bem se me oiço pensar ou se os pensamentos só surgem como palavras escritas, que às vezes me sucede pensar por escrito; o que leva a interrogar-me acerca da forma dos pensamentos de quem não sabe ler. Um mistério quase tão bom é descobrir porque razão a minha caligrafia do pensamento é tão ordeira e a que me sai dos dedos tão trapalhona.

Poderá acontecer que esteja tão habituado à minha voz interior, que, qual tradutor simultâneo perfeito, me explica e ordena o turbilhão em que a cabeça se transforma, que já não seja capaz de a definir. Temo mesmo que, se alguém inventar uma maneira de a escutar, me pareça tão estranha como a nossa voz gravada, que os outros ouvem habitualmente.

Sombras
“Olha para ali”, disse-me a voz em mim

O certo é que a língua que falamos parece ser a única maneira de traduzir os nossos pensamentos. É através dela que exploramos melhor as potencialidades do cérebro. Acaba por ser a língua a moldar-nos o pensamento, a impôr limites ou a expandir horizontes. Se a nossa voz interior não souber o significado de uma palavra, nunca poderemos expressar verdadeiramente o pensamento que lhe está associado. Uma língua pobre  estabelece fronteiras apertadas à mente. Uma língua rica permite explorar todas aquelas pequenas gradações que surgem nos sinónimos que, apesar de serem semelhantes, diferem sempre nalguma coisa.

Procurava saber como era a minha voz interior e descobri que me levou por outros caminhos, quase como se se estivesse a vingar de todas aquelas vezes em que a ponho à procura da palavra certa, aquela palavra perfeita, que descreve exactamente aquilo em que pensamos mas que se mostra esquiva porque a memória não colabora.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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