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Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

19  11 2009

Crises existenciais

Em certas alturas da vida somos confrontados com problemas aparentemente insolúveis, centrados no mistério da vida. Muitos porquês e poucos porques enchem-nos os pensamentos.

Concluímos que o maior mistério da vida é a sua finitude, pelo menos naquilo a que chamamos Eu. As crises existenciais da adolescência surgem quando nos conformamos com a nossa própria mortalidade, quando descobrimos que os dias infinitos da infância eram apenas o caminho até à curva de onde vemos a meta. As restantes surgem nos momentos em que sentimos que o tempo recuperou o avanço que nos tinha dado.

Quanto mais se racionaliza o problema, menos o percebemos. Depois começamos a questionar-nos se os nossos pensamentos são assim tão importantes para a ordem das coisas e conformamo-nos com a realidade – salvo raras excepções, são apenas ruído de fundo. Se os nossos pensamentos, mesmo que registados e catalogados são insignificantes, que seremos nós, objectos frágeis e de duração limitada?

O grande drama de alguns é que sejam esquecidos após a morte. Preocupação injustificada, julgo eu. Seremos lembrados pelas pessoas que acharem importante preservar a nossa memória, depois disso, que interesse há em recordar um desconhecido? Lembro-me de, ainda antes de andar na escola, desejar que o meu ursinho de peluche fosse conservado para sempre, ou pelo menos cinco mil anos, que era um número redondo na altura, não para me recordar, mas para provar que eu tinha existido. Sentia o coração apertado só de pensar que pudesse ser deitado fora como se fosse um objecto vulgar. Sim, ainda hoje o tenho.

Uma grande amiga minha, senhora de outra época e de outro mundo, tem visto a sua vida andar para trás, agora que sabe estar quase no fim da viagem. Os netos partem depois dos avós, diz a ordem natural das coisas, mas, desta feita, ficou tudo virado do avesso. Quem preservará a memória, agora que os mais novos desaparecem?

Por outro lado, todas estas preocupações parecem desaparecer se nos recusarmos a racionalizar a vida. Os animais vivem e morrem sem se importar com isso, julgamos. O instinto preenche o espaço deixado vago pelas crises existenciais e tudo corre como sempre correu. Há alturas em que me apetecia ser como a ceifeira…

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Crises existenciais”

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  1. Olá Afonso,

    Faço questão de acompanhar o teu blog desde que nasceu mas hoje por me identificar imenso com este teu post, resolvi «comentar».
    Muitos Parabéns por este aglomerado de desabafos e interpretações da realidade que me foram muito úteis para eu ponderar se seria ou não capaz de exercer a minha profissão por essas bandas.
    Já agora deixo aqui a minha quadra preferida do Poema Ceifeira do Grande Fernando Pessoa

    Pesa tanto e a vida é tão breve!
    Entrai por mim dentro!
    Tornai Minha alma a vossa sombra leve!
    Depois, levando-me, passai!

    Bjka

    Cátia

  2. É sempre bom saber que o Aerograma serve outros que não a mim!

    Até breve Cátia!

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