Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

13  12 2009

O típico pagode africano

Uma das coisas que os turistas procuram em África é a autenticidade das coisas, fartos de viver num munda cada vez mais igual. Esperam que as cidades tenham alma, ao invés de grandes torres espelhadas espetadas como lanças no chão. Grande parte dos visitantes sonha com animais selvagens como nos filmes, e paisagens e gentes retiradas dos diários dos grandes exploradores do séc. XIX.

Tal como a maioria dos sonhos, este também é quase inatingível. As guerras e a ganância do capitalismo apátrida destruiram grande parte da África virgem. Os leões e as cubatas forma sendo trocados por iáces e casas com telhados de chapa.

Angola surpreende-me todos os dias, às vezes pela sua grandeza, outras pela sua pequenez. O deslumbramento inicial, natural em todas as coisas, acabou por desaparecer e deixar ver que nem tudo o parece típico faz parte da tradição.

Por ser uma terra de contrastes abissais, facilmente a conseguimos dividir em Luanda e o resto. No resto de Angola somos confrontados com uma terra sofrida, mas com carácter, com a grandiosidade esperada das coisas africanas e com as dificuldades que todos os dias são superadas, sabendo perfeitamente que no dia seguinte continuarão lá, porque existem como parte integrante da vida. Em Luanda, chocamos de frente com mentalidades que ainda não saíram da guerra, com injustiças tremendas, espíritos quebrados e um sentimento de impotência avassalador. Se, no interior, ainda encontramos construções e hábitos que podemos considerar típicos, na capital assistimos a uma homogeneização que a torna igual a quase todas as grandes cidades africanas.

Mesmo em Luanda, não podemos desistir de procurar saber o que torna esta terra diferente. Fazemos de conta que não existem as torres reluzentes das petrolíferas, diamantíferas e outras íferas símbolos de riqueza desmesurada a nadar em miséria.

Procuramos os produtos típicos, nem que seja no mercado de arte, onde a maioria dos artesãos são congoleses. Olhamos para as fachadas em busca de pormenores que permitam definir a identidade de um povo. Falamos com as pessoas e descobrimos histórias e lendas.

Mas um dia, ao virar a esquina, descobrimos que toda a individualidade de um povo se está a perder depressa. As torres que foram ocupando o lugar das casas que criaram a identidade da cidade já nem tentam disfarçar a sua indiferença para com a terra que as acolhe e sustenta. Criam a sua própria versão do que é o típico de África.

Torre CIF com imagem de pagode chinês na fachada
O pagode africano

A torre da CIF tornou-se, graças às suas características especiais, um marco de referência na paisagem nocturna luandense. Querendo ou não, as imagens que passa na fachada vão definir a identidade da cidade, pelo que, numa terra tão ciosa da sua individualidade, pareça estranho que se mostrem imagens de pagodes chineses. Ou então, talvez o tal milhão de casas venha reformular, de uma vez por todas, o que é a habitação típica angolana.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “O típico pagode africano”

Nota: Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados.
  1. É! A mim Luanda deixa-me sem palavras! Por mais voltas que dê à cabeça, mesmo que me ponha a fazer o pino, há coisas que para lá de me chocarem me deixam desesperadamente desconcertada.
    Por muitos chineses que se encontrem por aí e são muitos mesmo, eu não chego lá, ao que de facto estará na origem da escolha de um pagode chinês que tem tudo a ver com a História e as tradições desse país. A presunção com que se investe aí é alarmante, a concorrência abunda e mais parece que a guerra só mudou o tipo de armas. O marketing dispara para quem ande distraído!
    É alucinante a quantidade de projectos megalómanos que aí se vão desenvolvendo e muitos deles ainda só na base da negociação e digamos que onde há riqueza se investe forte,esquecem-se é que o que descaracteriza depois todas as “brilhantes” ideias que a grande velocidade vão sendo geradas pelos grandes grupos de investimento é o resto, que parece que ninguém vê por todos os meandros de uma cidade e cujas bolsas pouco mais podem do que juntar umas tábuas e improvisar uns telhados. Sem infraestruturas e sem primeiramente se melhorarem as condições do povo com projectos sociais bem esgalhados isso ainda vai acabar um tutti fruti sem frutos tropicais!

    Enfim! Eu prefiro ir ali pela grandiosidade esperada e dizer que afinal o Afonso, assim como Luanda, também me deixou sem palavras! Para além da excelente recolha fotográfica, vê-lo por lá em amena cavaqueira com os imbondeiros foi uma delícia. Tá feito, quem fala com eles tá agarrado, vira múcua e para o resto da vida ele cresce dentro de nós, alimenta-nos com seiva de saudades e em grossos ramos de memórias, penduradas em lágrimas de frutos de lembranças, espalha em nós as sementes que não nos deixam esquecê-los.
    África tem de facto esse dom de nos prender, mesmo quando nos queremos largar e que alguém perceba a tempo que sem esse lado mágico ela perde a essência.

  2. Se tivesse de escolher uma única imagem para descrever a experiência angolana, não conseguiria encontrar melhor que a do embondeiro. Resume tudo quanto há de bom e autêntico, bem como a grandiosidade e horizontes infinitos de África e, se o escutarmos, conta-nos as histórias da desgraça e da felicidade ao mesmo tempo que nos faz esquecer o que nos aperta o coração todos os dias.

    Talvez por isso seja um embondeiro ali dos lados de Catete que serve de introdução ao Aerograma. Daqui a uns tempos talvez fosse um pagode…

  3. Estamos juntos na do embondeiro.
    Quanto ao pagode… eu ainda acho mais “piada” aos projectos tipo Dubai (que os angolanos tanto gostam de enaltecer e que no fundo não tem personalidade nenhuma, limitam-se a copiar e a fazer à grande) como os da Baía de Luanda. Esse será dos crimes mais hediondos que farão à identidade e à paisagem luandense.

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »