Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

27  01 2010

O esquema no Ti Afonso

Às horas a que eu ainda estou arrependido de me ter levantado e a olhar com inveja para a almofada que fica mais um bocadinho na cama, toca o telefone. É um número desconhecido, mas atendo. Pode ser um cliente.

– Bom dia, sou o Adriano, estás bem?
– Sim, bom dia Adriano.
– Te lembras de mim?
– Sinceramente, o nome não me diz nada…
– Sou o rapaz que te pediu trabalho lá no Cassenda, no ano passado. Está tudo bem?
– Sim, está tudo bem, mas nunca mais ouvi falar de ti.
– Já arranjei emprego, na Capanda. É em Malanje.
– Isso é bom. Um emprego na barragem nova. Que fazes lá?
– Sou electricista.
– E então, que queres?
– Venho pedir um favor no Ti Afonso.
– Um favor? Se estiver ao meu alcance…
– Não é para pedir contribuição nem nada, mas preciso de um favor do Ti Afonso.
– Diz lá o que precisas.
– O meu supervisor, que é brasileiro, me mandou a Luanda buscar bombas de pressão. É para as fábricas funcionarem. Sem bombas de pressão não trabalham. E as bombas de pressão estão na Talatona, com os vendedores.
– Adriano, não estou a ver para que precisas de mim…
– É que o material está em Luanda e eu preciso de ir aí buscá-lo. O meu supervisor diz que custa 350’000 dólares e que eu tenho de ir buscar o material a Luanda. Sem o material não se pode trabalhar. São bombas de pressão. Para as fábricas.
– E qual é o problema?
– É que o meu supervisor foi de férias e o chefe não me deixa ir sozinho a Luanda com o dinheiro porque eu só estou a trabalhar cá há duas semanas. Então venho pedir um favor no Ti Afonso.
– Ainda não percebi o que queres.
– Eu telefono a um amigo meu ou a um primo e eles falam nos vendedores para entregar o material no Ti Afonso. Só é preciso 30% e eles entregam.
– Adriano, não me parece que te consiga ajudar…
– Mas é preciso o material e o chefe não me deixa ir buscar.
– Parece-me que esse é um problema do teu chefe.
– Tá, obrigado. Bom dia Ti Afonso.

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É bom acordar com um esquema. Se calhar gostam de apanhar a malta ainda a dormir para ver se acreditam mais. Um pormenor de classe é a repetição de que o material são bombas de pressão e que são muito necessárias. O apelo pessoal do Ti Afonso dá um toque de familiaridade à conversa que demonstra requinte, ou muita experiência nestas andanças. Melhor ainda é esperar que um desconhecido adiante 100’000 dólares a um gajo que nunca viu, provavelmente a troco de um caixote com sucata.

Haverá quem caia nestes golpes?

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

8 respostas a “O esquema no Ti Afonso”

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  1. Tu realmente és muito ruim! Não fizeste esse favor ao amigo Adriano….
    Muito má fé a tua! 🙂

  2. Caro Afonso,

    Por muito surreal que lhe possa parecer, há quem caia em propostas dessas, mesmo aqui em Portugal! De acordo com a Policia Judiciária, há cada vez mais gente burlada por propostas do mesmo tipo, normalmente provenientes de africanos, que oferecem comissões apreciáveis a troco da boa vontade do seu interlocutor (leia-se, vítima…) em fazer-lhes o favor de levantar uma determinada quantia avultadíssima de dinheiro depositada algures e de proveniência duvidosa, requerendo, no entanto, um depósito prévio de uma qunatia simbólica, para demonstrar que não estão a lidar com ninguém desonesto. Seguem-se as propostas de sócios para negócios altamente rentáveis, como minas de ouro e de diamantes…

    Cumprimentos,

    Alexandre Correia

  3. Quando aqui cheguei, estava na moda a da garrafa com um liquido preciosissimo, que valia largas centenas de milhares de USD, e SÓ a NÓS, no-la vendiam pur tuta e meia.

    Depois a do Mercurio, depois a do… e a do…

    Esta malta tem (muita) imaginação, diga-se em abono da verdade.

  4. Grande filme!

  5. Havia o frasco cheio de vidrinhos e bocadinhos de quartzo.

    Houve mais dinheiro perdido em fantasias do que ganho em diamantes.

    Só que ninguem se queixa.

  6. É só mesmo imaginação, Afonso?
    Assim espero.

    Um abraço.

  7. A realidade consegue ser mais inacreditável que a ficção…

    O pedido de 100’000 USD a um desconhecido é surreal, mas verdadeiro. A conversa com o Adriano aconteceu mesmo.

  8. Referia-me à imaginação dos artistas, os adrianos. É preferível que paire só por aí, pela imaginação, pela arquitectura do golpe.

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