Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

31  01 2010

Lembra-te que és branco

Na fila compacta que segue no sentido oposto, o taxista começa a fazer-me gestos para baixar o vidro. Deve querer falar comigo, mas não faço a mínima ideia porquê. Tento adivinhar a razão. Será que me vai apontar um pneu furado ou avisar que o buraco lá à frente é fundo?

Não, afinal está aflito. Diz que por causa de tanto trânsito está encalhado. Ainda por cima tem sede. Pode ser que eu o possa ajudar com uma gasosa.

Nem queria acreditar no que ouvia. Apenas porque sou branco tinha a obrigação de dar dinheiro a um desconhecido que me interpela na rua. Ainda por cima nem era um pedinte com necessidade aparente, era um pedinte que queria recuperar parte dos lucros perdidos no trânsito. Mandei-o ir ver se chovia lá na curva…

Se há alturas em que conseguimos esquecer que a cor da pele é uma distinção absurda, há outras em que teimam em lembrar-nos disso. Sim sou branco, mas isso não faz de mim especial, da mesma forma que os negros, amarelos e azuis não são nem melhores nem piores que os demais. O facto de ser branco não significa que seja rico. Tal como os outros, trabalho para viver. Se calhar estou a ser exagerado e fui escolhido pela cor do carro ou da camisa.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Lembra-te que és branco”

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  1. A cor aqui acaba por ser um inconveniente, isto porque para todos os efeitos devíamos estar na “nossa” terra a ganhar dinheiro, aqui só estamos a roubar dinheiro e postos de trabalho!!!
    Veja por exemplo,aquando do Natal a empregada do meu vizinho do rés-do-chão(nós vivemos no 4º andar) pediu-me as boas festas e como não dei, ouvi como resposta que a mim e à minha familia não faría qualquer diferença quaisquer 2000/3000 kwanzas!!!!!!!! Que para nós vivermos bem, eles(nacionais) vivem muito mal e que deveríamos era voltar para o nosso país…
    Comentários?? Para quê!

  2. Há uma música, que muita gente não conhece, que resume bem esta situação. Num dos versos vem: Branco paga 20, mulato paga 15 e o preto… hum, nem 5. 😛
    As compras nos mercados locais para quem não conhece os preços são um verdadeiro roubo para os mais claros. Tudo porque continua a passar esta mensagem que já que estamos a vir para cá roubar as riquezas dos autóctones, entenda-se negros, também temos que pagar mais que eles.
    É triste.

  3. Caro Ricky, creio que não será bem por isso: creio que eles sabem – e é uma realidade – que qualquer expatriado ‘médio terá, provavelmente terá maior poder de compra que um Angolano ‘médio’, para além de nos condoermos mais com a situação dos milhares de pedintes esfomeados, estropeados, etc, etc, que abundam na cidade.

    O que me tira do sério é os donos dos V8’s, Tubarões e tec e afins, nem 5 Akz darem para um pedinte, ao ponto de estes já nem perderem tempo a estender-lhes a mão nos sinais vermelhos.

    E quando insistem, são corridos a insultos por estes novos ricos, sedentos de kwanzas, não vá o V8 precisar de reparação, apesar de terem lá mais 4 ou 5 em casa, mais uns espalhados pelas amantes, e etc, etc….

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