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02 2010

Sexta-feira, o dia da ironia

A Sexta-feira de Luanda é conhecida como o dia dos homens ou pelo dia em que as mulheres casadas dormem sozinhas, tal é a fama das aventuras extra-conjugais dos angolanos. Enquanto as mulheres ficam em casa a cuidar dos filhos, os homens vão para as festas nocturnas onde muita cerveja, pouca roupa e música para dançar com os corpos bem enrolados resultam em frequentes facadas no matrimónio.

Por aqui o assunto é encarado com alguma ligeireza. Dizem-me que é dos ares da terra ou do espírito livre dos angolanos. Mulheres, amantes, namoradas e engates de ocasião ocupam cada uma o seu lugar na escala dos afectos. Por vezes têm conhecimento umas das outras, na maioria dos casos apenas sabem que existem. Algumas queixam-se da situação enquanto outras encolhem os ombros e dizem Isso é Angola…

Devido a uma coincidência cheia de ironia, o dia em que as mulheres casadas dormem sozinhas ou o dia em que os homens vão cumprir os seus deveres conjugais em leito alheio é também o dia dos casamentos. Para que os festejos do matrimónio decorram sem interrupções pelo fim-de-semana todo, os casamentos celebram-se na tarde de Sexta-feira.

Em frente às conservatórias perfilam-se as madrinhas e as amigas da noiva, todas a escorrer suor em bica, apertadas nos seus vestidos demasiado pequenos para o tamanho que idealizaram o corpo, quase todas com as mamas a ser espremidas para fora do decote e uns saltos altos nos quais mal se têm em pé. Os padrinhos ficam nas sombras, de fato completo e gravata larga, alguns mais descamisados que outros, mas todos a suar desmesuradamente enquanto aguardam que os respectivos noivos cheguem.

De tempos a tempos chega um carro decorado com a noiva. Dependendo das posses de cada um, o carro é melhor ou pior, mas a decoração segue preceitos. Fitas e rendas nos puxadores e jantes, grandes tiras a envolver o capot, ramos e flores entalados nas portas tornam o carro um arranjo floral com rodas. O pormenor mais importante, aquele que nunca falha por mais que a decoração seja original, é a matrícula tapada com folha de alumínio. Convencionou-se que o carro da noiva não mostra a matrícula. Apesar de ser ilegal, a polícia tolera-o, até porque há coisas mais importantes com que se preocupar.

A noiva chega, entra com o noivo na conservatória, saem casados e cedem o lugar ao casal seguinte. Depois vão para a festa. Neste momento a coisa complica-se. O noiva é agora uma mulher casada e a Sexta-feira dita que durma sozinha. O noivo é agora um homem casado e a tradição manda que na Sexta-feira vá para uma festa e durma com outra que não a esposa. Como se resolve este problema bicudo?

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

5 respostas a “Sexta-feira, o dia da ironia”

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  1. nota 10
    que bom estar aqui

  2. Ironicamente é um bom dia para começar uma vida a dois.
    O sonho da noiva deve ser mesmo passar a primeira noite sozinha, enquanto o noivo aquece os pés de outra…
    Se a primeira noite será má imagino as seguintes…

  3. Realmente, mas qual será a mulher que vai querer casar-se sabendo que na noite de núpcias o recém-marido vai molhar o pincel noutro sítio… E as sextas seguintes leva o mesmo tratamento…
    Será que aqui é ao contrário, a despedida de solteiro é passada com a noiva e a noite de núpcias com outra? 😉

  4. Nunca tinha pensado nesse bico de obra.

  5. Não sejamos mauzinhos.

    A primeira 6ª feira é passada com o ‘Governo Central’ (ainda está na festa, caramba…), só depois começará a ronda pelos Governos Regionais, Luanda 1, Luanda 2, etc, etc.

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