Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

25  08 2010

Crise e sapos censórios que se engolem

Algo está muito mal quando os melhores de cada profissão são preteridos pelos estagiários por razões para lá das económicas.

Em tempos de crise, muitos gestores são incapazes de reagir correctamente e optam pelas soluções mais fáceis. Confundem redução de desperdício com redução de custos e esta última com despedir pessoal. Depressa se apercebem que afinal esse pessoal era imprescindível, porque são eles quem geram as receitas da empresa. Optam não por os contratar de volta, mas por recorrer aos mais inexperientes que pode aliciar com condições piores. Com o salário do profissional despedido, têm à sua disposição dois ou três estagiários a recibos verdes, quando o estágio é remunerado, isto é. Preterem a qualidade à quantidade.

Quem se lança no mercado de trabalho sabe que deve manter a cabeça baixa. A esmola no final do mês não se coaduna com o direito a opinião ou a fazer algo por iniciativa própria. Os mais experientes, agora despedidos, nesse aspecto davam mais chatices ao gestor-redutor-de-custos.

E o que se dirá da classe dos jornalistas, em que os gestores-redutores-de-custos julgam ser habilitações suficientes saber escrever ou, melhor ainda, saber copiar as notícias da Agência Lusa sem sequer se dar ao trabalho de emendar as gralhas? A que descalabro chegou a situação dos nossos jornais quando os jornalistas premiados ficam no desemprego e as notícias publicadas num e noutro jornal como diferença têm apenas o número da página e o tipo de letra?

É nos tempos de crise que se tem de engolir mais sapos e até os mais experientes, os tais que se tornaram parte dos custos a reduzir, interiorizam a posição de estagiário: «Se quero comer, nem que seja pouco, tenho de ficar caladinho e não levantar muitas ondas.»

Orlando Castro, jornalista, foi um dos muitos contemplados com o despedimento colectivo da Controlinveste de Janeiro de 2009. Depois de ano e meio a lutar contra a corrente, publicando artigos polémicos (que, admito, nem sempre subscrevi), desistiu e remeteu-se a um silêncio que incomoda quem sente (facto que é meio caminho andado para se ser boa gente).

Ficou um silêncio que cheira a derrota. Talvez soe a alívio aos visados das crónicas. Ficou um silêncio que cheira a pobreza, porque agora haverá para ler apenas uma versão das notícias, devidamente engalanada no tipo de letra de cada jornal e a assinatura Agência Lusa.

Um jornalista que deixa de escrever entrou em greve de fome mental, mais penosa que a física, em que apenas o corpo se queixa. A greve de fome mental mata ideias!

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Crise e sapos censórios que se engolem”

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  1. Muito obrigado. Pelo menos a alma ficou muito mais alimentada…

    Orlando Castro

  2. Não podia ignorar a situação de quem me ajudou a compreender Angola.

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