Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

25  09 2010

Desertificação rural

Muito se tem dito acerca do progressivo abandono a que o interior do país tem sido votado. Cada vez mais as pessoas se mudam para o litoral onde, se diz, há mais empregos e condições de vida, mas há sempre relutância em abandonar a terra onde se cresceu e onde estão todas as referências. A ligação com os lugarem onde se vive nunca é instantânea e são precisos anos até que tudo volte a fazer sentido.

A grande verdade é que não foram as pessoas que abandonaram o interior. As pessoas foram, literalmente, abandonadas no interior. O encerramento de linhas de caminho-de-ferro, estações de correios, centros de saúde e escolas afastou as vilas e aldeias do mundo, marginalizando-as economicamente. A crescente tentativa de rentabilização daquilo que, por natureza, não é rentável, seguindo uma linha de pensamento neo-liberal, redunda sempre no encerramento, desmembramento e abandono daquilo que são os serviços públicos essenciais.

Estação de Correios de Crato
Estação de Correios de Crato, fechada

Com a justificação de que cada vez há menos gente no interior, os investimentos em equipamentos diminuem, levando a que cada vez menos gente se fixe lá, num verdadeiro ciclo vicioso. Ainda por cima, os poucos incentivos para a fixação de populações são iniciativas avulsas, sem qualquer fio condutor que faça transparecer uma política continuada.

Mais chocante que a falta de investimento, é o desperdício a que se assiste quando se abandona algo que já existia, para que se degrade até ruir. Fazer algo de novo sai sempre mais caro que manter o que já existe. Abandonar equipamentos é quase que gozar com o esforço e capital investidos anteriormente e todos suspeitamos que depois haja alguém a ganhar um concurso para fornecer o mesmo serviço, mas mais caro.

Estação de Chança
Abandono na estação de Chança

Um exemplo são as dezenas de silos abandonados que há por todo o Sul do país. Na altura representaram um investimento considerável, mas que permitiu centralizar a armazenagem e envio de cereais por via férrea. Actualmente, com produções cerealíferas mais reduzidas, não defendo que se mantivessem a funcionar em pleno ou com as mesmas funções, mas tinham todas as características necessárias para se tornarem em centros de distribuição logística ou entrepostos, com armazéns, parques de manobras e terminais ferroviários, reduzindo o custo com transportes rodoviários, que apenas são economicamente vantajosos para os percursos mais curtos. As estruturas existem, mas estão abandonadas. As empresas de camionagem não ficariam sem serviço, porque a distribuição final teria sempre de passar por elas, e nestes entrepostos gerar-se-iam muitos mais postos de trabalho, pagos com a redução de custo no transporte.

Infelizmente, também as linhas de caminho-de-ferro que passam nestes silos vão sendo encerradas por falta de uso, afastando a possibilidade de aproveitar o que, a grande custo, foi criado ao longo dos anos.

Numa época em que os Estado gasta mais do que nunca, é estranho como cada vez mais se esquiva de fazer aquilo que devia. E até as empresas estatais, reduzem o quadro de pessoal para conter custos, mas acabam por gastar mais dinheiro ao contratar empresas externas para executar as funções dos trabalhadores despedidos.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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