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10 2010

Acordo ortográfico

O malfadado acordo ortográfico recentemente ratificado, foi acolhido de braços abertos pelas editoras, invocando exactamente os mesmos argumentos que usaram para criticar o antigo. Segundo eles, o facto de se escrever de forma diferente no Brasil e em Portugal implicava ter de corrigir e imprimir livros novos para chegar a ambos os mercados. Agora, com todos os livros desactualizados, enchem prateleiras de livrarias e, especialmente, supermercados, com novas impressões dos mesmos textos corrigidos.

Muitas outras línguas têm várias ortografias, como extensão dos sotaques de cada povo, mas não é por isso que as pessoas deixam de se entender. Não me choca ler autores brasileiros com ortografia brasileira, mas ao ler clássicos portugueses corrigidos para o novo acordo ortográfico, acabo sempre a ler trechos inteiros com sotaque de novela da Globo.

Já anteriormente expus alguns argumentos para a minha não adopção do acordo ortográfico. Uma das quais é a falta de rigor na definição da ortografia aceite. Se o anterior instituía regras concretas e algumas excepções notáveis, este aparenta ser uma lista de palavras que se escrevem de forma diferente, com critérios dúbios de aplicação na maioria dos casos.

Se se estabelecesse que os hh mudos deixariam de se escrever, justificando assim que humilde e humidade passem a umilde e umidade, porque não se escreve então umano e umanidade? Outros exemplos se podem encontrar demonstrativos da cretinice de certas novas convenções. Se Egipto passa a Egito, porque razão os seus habitantes continuam a ser os egípcios?

A palavra acto, doravante escrita como ato, prestando-se a confusões quanto ao acto de atar (ou talvez ato de atar) quando fora de contexto, perde o seu c que, apesar de mudo, introduzia um quase imperceptível prolongar da primeira letra da palavra, distinguindo-a da que significava dar um nó.

O acordo foi político e muito apoiado por quem tinha interesses económicos na questão. A língua desprezada, como sempre. Até porque as diferenças entre o Português falado em Portugal e o falado no Brasil não se limitam a ortografias diferentes em meia-dúzia de palavras. A estrutura da língua é diferente e essa não se muda por decreto.

Venden-se Portoins Uzados
Acordo ortográfico

Mas sinto uma grande satisfação ao publicar um livro que agora está cheio de erros ortográficos!

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

4 respostas a “Acordo ortográfico”

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  1. Concordo contigo – este acordo foi muito influenciado pela fonética da língua. Por isso é que Egipto agora se escreve sem p (nunca se pronunciou o p) mas Egípcio mantém o dito p. Até agora, sempre que um bife mais interessado me perguntava eu respondia que os Portugueses falam Português e os Brasileiros falam Brasileiro. Desde que o acordo entrou em vigor, digo que os Portugueses falam Português, os Brasileiros falam Brasileiro e todos escrevemos a mesma m****.

  2. É assim mesmo.

    Para quê escrever Paquistão se se pode ortografar Pakistán? Assim, poderemos continuar de facto (ou de fato) de barriga cheia de filé (ou bife), conscientes de que as enquetes (ou sondagens) serão favoráveis aos adeptos (ou à torcida) que usam celular (ou telemóvel). E, pelo sim e pelo não, tiremos do freezer (frigorífico) uma fotocópia (xerox) do acordo ortográfico. E, já agora, brindemos com um fino ou com um choupe.

  3. A mim, resta-me um consolo: como burro velho não aprende línguas, não terei de aprender esta salada linguística, feita à medida dos interesses de meia dúzia.
    Sendo esta a primeira vez que uma língua se muda por decreto, garanto que vou continuar a escrever como aprendi, estando certo de continuar a entender tudo o que os brasileiros dizem na sua língua, mesmo sem ter de aprender a nova grafia.

  4. Rrlativamente ao xcomentário de Egídio Cardoso lamento informar mas não é essta a primeira vez que a língua portuguesa sofre alterações por decreto.
    Já em 1911, e sem que os brasileiros tenham sido ouvidos, o Governo português de então alterou a língua portuguesa.
    Pessoalmente concordo com o Acordo tendo em consideração o aprofundamento da língua portuguesa nos diferentes órgãos internacionais como acontece com outras línguas latinas – e não com o inglês por razões políticas.
    Todavia, concordo com Orlando Castro quando alerta para as diferentes formas fonéticas de cada um dos países lusófonos, nomeadamente Angola e Moçambique, razão porque ainda não ratificaram e enm vêem pressa para isso, o referido Acordo,
    Cumprimentos
    Eugénio Almeida

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