Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

24  12 2010

A fruição das coisas

Vivemos numa sociedade consumista, que mede o sucesso de cada um pelo que tem e não pelo que é. Mede-se a capacidade de obter e, portanto, o sucesso, pelo já obtido. Não quero afirmar que seja um sistema melhor ou pior que qualquer outro. Há quem seja muito feliz nele e eu próprio gosto de poder comprar o que me agrada.

No entanto, uma vez que o sucesso é medido pela quantidade de coisas ou, actualmente, pela novidade dos objectos que se possuem, é fácil entrar numa espiral de consumo que torna impossível chegar a aproveitar o que se compra. Os fabricantes estimulam este sistema, pois é o que mais lhes convém, ao lançar no mercado todos os anos os mesmos produtos com uma ligeira diferença em relação ao modelo do ano anterior, uma diferença que, de preferência, torne o novo produto incompatível com o antigo ou que o faça parecer obsoleto. Quem corre atrás do último grito de certeza que o irá comprar.

Há, no entanto, uma outra face deste sistema. Não se trata do desperdício de deitar fora objectos ainda em bom estado para os substituir por outros mais recentes com as mesmas funções. Trata-se da fruição das coisas.

Preocupados com o que se vai comprar a seguir, haverá tempo ou sequer dedicação para se conseguir apreciar verdadeiramente os objectos? Um escravo do consumo é incapaz de viver a plenitude das pequenas coisas. Pode parecer um pouco anacrónico, mas julgo que consumir, consumir, consumir não seja o nosso propósito maior. É apenas ruído de fundo que abafa o que de mais importante temos – a nossa consciência.

Talvez seja por isso que há muitos anos digo que não quero nada pelo Natal, que já tenho tudo. Na verdade, tenho para lá de tudo, porque há toneladas de ferramentas, instrumentos e livros que ainda não tive oportunidade de usar com a dedicação que merecem. Por isso, no Natal, prefiro poder apreciar o que já tenho e, especialmente, a companhia da família.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Uma resposta a “A fruição das coisas”

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  1. Foi nesse espírito que neste Natal pensei na prenda para o meu neto de 14 meses: fui à estante dos livros de infâcia dos meus filhos e tirei de lá um adaptado à idade. Depois de uma limpeza ao pó acumulado de 30 anos um embrulho pô-lo ao nível dos outros presentes com que a pobre criança foi “bombardeado”. Na altura de abrir os presentes aquele livro foi o eleito: com um sistema que fazia abanar a cauda do leão, a boca do jacaré…fez a delícia do garoto … e da mãe que ao revê-lo mostrou tanta satisfação como quem não teve, na altura, tempo para o ter desfrutado mais.
    Vou repetir…já tenho prendas para os próximos trinta anos!

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