Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

02 2011

Exportação temporária

Há decisões que tomamos sem saber muito bem que portas abrirão. Sabemos apenas que devem ser acertadas, ou intuímos alguma lógica no raciocínio que as justifica. A história do meu Mestrado enquadra-se perfeitamente nesta categoria.

Depois de alguns anos em trabalho de campo, que me permitiu conhecer grande parte dos caminhos de cabras do interior e cruzar-me com muita gente interessante, senti que estava a ficar com o cérebro "enferrujado". O trabalho era apenas rotina e não havia nada de novo a descobrir. Tinha de voltar a estudar alguma coisa.

Inscrevi-me num curso de Mestrado em Geofísica. Não era exactamente a minha área, para aprender muitas coisas novas, mas era suficientemente próxima para que não me sentisse totalmente desamparado. Na verdade, durante alguns anos, o curso de Engenharia Geofísica partilhou os três primeiros anos com o meu. Pelo menos teria a garantia de que falaríamos a mesma língua.

Durante um ano fui ao Porto todas as semanas. Sexta-feira de manhã apanhava o primeiro Alfa e Sábado à noite apanhava o último Intercidades. Foi cansativo, mas voltei a sentir a cabeça ocupada, mesmo que não soubesse qual a utilidade do novo grau académico. Seria uma etapa interessante.

Aprendi muito e passei mais um ano e meio a estudar a aplicação de técnicas pouco usuais para a medição de deformações dos terrenos. Defendi a dissertação num Sábado e no dia seguinte aterrei em Luanda. Tinha concluído o mestrado e continuava sem saber para que serviria.

Dois anos mais tarde, um conhecido enviou-me o anúncio para uma bolsa de investigação exactamente na área em que tinha trabalhado para a dissertação. Concorri e fui integrado numa equipa pequena, com alguns dos nomes mais sonantes da Geofísica em Portugal.

As últimas semanas têm sido uma verdadeira corrida para recuperar a velocidade de cruzeiro. Muitos livros para ler, muitos artigos para analisar e matérias para reaprender, porque quem não resolve integrais durante dois anos tem de os aprender a resolver outra vez.

E agora, para aprender coisas novas numa das outras instituições envolvidas, exportam a equipa inteira para a Holanda durante uma semana. A decisão tomada há cinco anos revelou um caminho insuspeito – ir apanhar frio na terra das túlipas.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

6 respostas a “Exportação temporária”

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  1. Apesar dos pesares…tiro-te o meu chapéu porque há falta de pessoas que queiram aprender e ir mais além!

  2. E quando menos se espera, abre-se uma janela! 🙂

    Boas túlipas e cuidado com os “cakes”.

  3. Carissimo Afonso,

    Este país continua fielmente a exportar o seu bem mais precioso… toda uma geração com massa cinzenta e empreendedora.
    Estou tambem a ultimar os preparativos para uma aventura por terras de Africa…

    Boa sorte na Holanda

  4. No entanto, o Estado continua a tentar evitar a fuga de cérebros com medidas cada vez mais inventivas. A última, ao que parece, é reduzir os salários de tal modo que já não consigam comprar um bilhete de avião…

    Boa estadia em terras africanas!

  5. Afonso:

    Á procura de receita para bolo de banana,(apodrecem tão rápido!) dei com este “seu” aerograma que vai também passar a ser meu! Estou em Angola pela primeira vez e vou passar a ler esta sua escrita tão do meu agrado.
    O bolo, esse, ainda não provei: está no forno e cheira!!! Faria sucesso nessa fria Holanda…
    M.

  6. Exactamente por se estragarem depressa e por só compensar comprar bananas em grande quantidade (quando se saía do centro de Luanda), tive necessidade de dar destino às bananas. Desta feita saiu um bolo, mas há outras formas de as aproveitar.

    Bem haja pela visita!

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