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13  02 2011

Os Seis da Benedita

Durante séculos, a importância das terras media-se pelas feiras que estava autorizadas a realizar. As cartas de foral atribuíam quase sempre o privilégio de realizar uma feira regularmente na cidade.

Com a crescente facilidade de deslocação trazida pelas vias férreas e o incremento dos transportes rodoviários, e consequente movimento das populações para o litoral, as feiras perderam parte da sua importância ao longo do último século. A sua imagem continuou associada à ruralidade e a tempos passados, à antítese dos tempos modernos. No entanto, ainda não passou o seu tempo. Para muitas localidades, o ponto alto do calendário coincide com a feira tradicional e a afluência de visitantes de perto e de longe. As feiras exercem uma atracção diferente das lojas, talvez por não serem permanentes, talvez por nunca se saber exactamente o que estará à venda ou até mesmo por ser ainda um dos poucos sítios onde ainda é costumeiro regatear.

Por outro lado, há feiras especializadas que atraem compradores e vendedores de todos os pontos do país. Quase sempre pouco conhecidas pela maioria, são tratadas por «tu» por quem a elas está associado – as feiras de gado, por exemplo. Nestes casos, uma pequena alteração pode ter grandes implicações, nem sempre previstas por quem é de outro meio.

Em 1906 criou-se a feira de gado da Benedita, perto de Alcobaça. Durante mais de 100 anos realizou-se no sexto dia de cada mês, pelo que era conhecida pel’Os Seis da Benedita. Nos últimos anos atraía principalmente criadores e compradores de ovinos e caprinos. Já ninguém quer burros e as vacas, ao que parece, vendem-se em pacotinhos – esperma congelado para inseminação artificial.

Há cerca de dois anos, a feira foi suspensa, para que no recinto onde se realizava fosse instalada outra estrutura. A transferência rápida da feira para outro espaço foi o compromisso da altura, mas os dois meses prometidos parecem ser medidos em tempo geológico.

Não nos podemos esquecer que é uma situação recorrente em Portugal, esta de prometer a nova obra para imediatamente a seguir à destruição da velha. Estraga-se o que existe, assobia-se para o lado e fica tudo em águas de bacalhau. Sem grande esforço, lembro-me do ramal ferroviário da Lousã, desactivado para dar lugar a um metro de superfície que acabou cancelado. A ligação ferroviária desapareceu e o novo transporte esfumou-se na névoa habitual das promessas eleitorais. Há também o caso da Igreja do Socorro e a antiga Mouraria de Lisboa, demolidos no final da década de 1940 para dar lugar a alguma coisa. Ainda hoje o Largo do Martim Moniz parece um estaleiro sem futuro.

A feira de gado deu lugar a uma escola, mas não arranjou lugar para si. A Benedita não é uma terra muito conhecida, mas era importante para quem vendia e comprava gado, que não é mercadoria para que os compradores a andem a mostrar de porta em porta ou para os vendedores andarem a passear pelo país à procura dos melhores animais ou preços.

Antigo Mercado de Gado de Évora
Antigo Mercado de Gado de Évora

Há quem defenda um rápido regresso da feira, salientando que não traria benefícios apenas para os ligados ao gado, porque os visitantes gastam dinheiro noutras coisas. Uma feira é um estímulo ao negócio e à vida económica da região onde se realiza. Mesmo assim, há vozes que se opõem, quase de certeza aqueles que acham não vir a ganhar nada com a feira. Invocam argumentos pequeninos de quem está mais preocupado com o quanto os outros ganham do que com a sua própria bolsa.

Mas a verdade é que se esta feira deixar mesmo de se realizar, será apenas mais uma das muitas que não resistiu à mudança do tecido produtivo nacional, cada vez mais virado para o sector terciário do que para os primário e secundário – os mais importantes.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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