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Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

23  02 2011

As bicicletas

A imagem de marca holandesa há muito que deixou de ser a dos tamancos de madeira, os moinhos de vento à beira dos canais ou as pastoras de Vermeer. As bicicletas tomaram-lhes o lugar definitivamente. Não há holandês que se preze que não tenha pelo menos uma bicicleta e tenho a certeza de que quase todos sejam capazes de remendar um furo antes de entrarem para a escola.

A bicicletas são a extensão natural do corpo do holandês. Permitem chegar depressa ao destino e poupam as pernas ao longo da viagem. Se não existissem, teriam de ser inventadas, uma vez que não há meio de transporte mais adequado a um país com planícies que se estendem até perder de vista.

As cidades estão adaptadas às bicicletas e as bicicletas, de rodas grandes e cesto no guiador, adaptadas às cidades. Os comboios têm carruagens para bicicletas e há grades para as amarrar em todos os cruzamentos e edifícios públicos. A cada esquina vemos um monte indistinto de selins e rodas de vários tamanhos emaranhados numa massa disforme. A custo percebemos que ali é um parque de bicicletas e, num passe de mágico, cada um reconhece a sua.

Monte de bicicletas
Uma grande molhada

Mas a verdade é que os holandeses adoram as suas bicicletas como ideia abstracta, mas tratam-nas como objectos descartáveis. Têm mais amor aos sapatos que às bicicletas. Não é invulgar ver bicicletas serem simplesmente atiradas para o meio do chão à falta de sítio onde as encostar ou a circular num coro de protesto feito de pedaços do guarda-lamas e travões a raspar nas rodas ou na corrente. A bicicleta é muito simpática mas não passa de um objecto que se usa até ser necessário comprar outro.

Sucata de duas rodas
Reparação de emergência

Por outro lado, de vez em quando alguém precisa de uma bicicleta e toma a liberdade de usar uma alheia. Se puder escolher, é óbvio que não vai roubar uma bicicleta velha e suja ou com um selim desconfortável. Não há grande incentivo para ter uma bicicleta nova quando se sabe que um monte de ferrugem com as rodas empenadas também cumpre o serviço e é quase impossível ter ladrões interessados. Mesmo que o sal das estradas corroa os quadros, as bicicletas continuam ao serviço até se desfazerem ou haver algum engraçadinho que as resolva atirar para dentro de um canal.

Como as bicicletas são omnipresentes, é natural que os holandeses se convençam que podem fazer tudo enquanto pedalam de um lado para o outro. Nas ruas é preciso ter algum cuidado porque de uma qualquer esquina pode passar alguém a pedalar enquanto come um gelado ou reboca uma mala de viagem numa mão e fala ao telefone com a outra. Nestas alturas, mais vale chegarmo-nos para uma parede e esperar que passem. Mesmo assim, a convivência com os peões é saudável. se cada um seguir uma rota previsível e sem grandes hesitações, o ciclista dá a volta sem incomodar ninguém.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Uma resposta a “As bicicletas”

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  1. Deviamos aprender com os holandeses e talvez houvesse menos carros nos grandes centros urbanos.
    Também presenciei e despistada como sou alguma vez eu descobriria a minha? Só se aplicasse algo diferente e não é por acaso que se vêem muitas com peluches, lenços, etc.

    Depois o ciclista tem prioridade sobre tudo e todos, será que pela educação e civismo dos portugueses isso funcionaria?

    Adorei o post e como gostaria de voltar à Holanda!

    Um abraço

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