Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

09 2011

Sinais adaptados ao contexto

Nos últimos três anos, apesar de ter conseguido evitar escrever sobre não conseguir escrever, confessei várias vezes ter deixado muitos artigos morrer como rascunhos que escrevo e acabo por apagar por terem perdido o momento. Há outros que nunca chego a apagar – ainda não decidi se afortunadamente ou não – porque tenho a certeza de que os hei-de terminei dê lá por onde der. Bom, no mínimo, quase a certeza. Talvez.

Os menos afortunados de todos são aqueles que nem chegam à categoria de rascunho. Não passam de uma tímida ideia que vai surgindo amiúde com um aspecto mal acabado e despenteado.

A história deste artigo começa com uma destas ideias de artigo sem alinhavo. Surgiu pela primeira vez na viagem entre o Huambo e Luanda, algures perto de um dos muitos encontros com o Keve, que serpenteia em torno da estrada, quando reparei num singelo sinal de trânsito cheio de semelhanças com os que se costumavam ver nas estradas do interior de Portugal. Este sinal ostentava uma diferença que só consigo atribuir à genialidade de quem o adaptou à realidade angolana.

Quando estava a tirar a carta de condução, ainda no século passado, o intrutor de código, em jeito de brincadeira, apresentou o sinal de perigo A19a (animais sem condutor) como sendo o pré-aviso de brigada de trânsito. Posso afirmar com segurança que este instrutor não tinha muita consideração pela polícia rodoviária. O certo é que nenhum dos seus alunos esqueceu esta apresentação do malfadado sinal e ainda hoje o associam a polícias na estrada.

Sinal A19a, em Portugal
Gado na estrada

A versão portuguesa do sinal tem uma vaquinha preta dentro de um triângulo vermelho. Este era o gado mais comum e perigoso para os condutores nas aldeias do interior.

Sinal A19a, em Angola
Gado na estrada, versão angolana

Em Angola, as vacas não costumam aparecer perto das estradas. A maioria do gado fica nas grandes fazendas ou é criado pelos pastores tradicionais longe dos centros urbanos, usando antigas rotas de transumância inacessíveis a automóveis. As cabras, por outro lado, são omnipresentes. Quando nos aproximamos dos kimbos mais remotos, ainda antes de ser ver gente, já avistámos duas ou três cabras a pastar nas bermas ou a fugir esbaforidas à frente do carro. Ainda por cima, o raio dos bichos tem o mau hábito de esperar pacientemente que o carro se aproxime para dar uma corrida para o outro lado da estrada. Aqui não se pastoreiam as cabras, elas pastam e circulam por onde lhes apetece. O sinal de gado na estrada angolano ostenta, por isso, uma cabra em vez de uma vaca.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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