Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

10  05 2013

A consoante muda do Rossio

No tempo em que o nome Diário de Notícias ainda significava jornal, e fazia mais do que repetir notícias da Agência Lusa, também publicava livros. E por essa mesma altura tinha também livrarias, a mais famosa das quais era a agência da Praça D. Pedro IV, na esquina do Rossio com a Rua Augusta.

O letreiro que a identificava era o próprio nome do jornal no tipo de letra que todos associam ao Diário de Notícias. A sua integração na fachada, num fundo de azulejos amarelos fazia parte do projecto do arquitecto Cristino da Silva, remontando ao final da década de 1930. Por estar em plena baixa pombalina e ser um marco cultural e estético, o letreiro, bem como a restante fachada, estava inscrito na carta do património do PDM de Lisboa.

Entretanto, com a mudança de mãos do Diário de Notícias e a sua incorporação em mais um grande grupo anónimo cuja principal missão é dar lucro, não interessando muito bem o que se vende, parte da memória do que foi o jornal perdeu-se. A livraria foi vendida em 2006 e está actualmente integrada no grupo Leya. A livraria deixou de ser do Diário de Notícias mas por todos era assim conhecida, tal como o Mosteiro dos Jerónimos o é mesmo sem lá ter os frades como ocupantes.

Parece que essa confusão entre a marca que o grupo Leya queria implantar e a que já lá existia era demasiada e a solução foi retirar o letreiro sem dizer água-vai. Um pouco ao jeito da nova moda de decepar consoantes às palavras com a desculpa de que são mudas mas depois se reconhece que não o são assim tanto.

Livraria do Diário de Notícias
Era património? Temos pena.

A livraria do Diário de Notícias deixou de o ser. O letreiro de ferro e néon cedeu o lugar a uma mísera faixa impressa no toldo que emoldura a montra. Sobrou apenas o revestimento de azulejos amarelos que fazem sobressair a atrocidade.

O que levará um negócio a trocar publicidade gratuita e fotografias de turistas de todo o mundo pela sanha de apagar a memória?

Segundo o Gabinete de Estudos Olisiponenses, órgão da Câmara Municipal de Lisboa, o letreiro foi deixado no lugar em 2006, altura em que a livraria passou a ser a Oficina do Livro, para preservação da memória.

Há mais de um ano que o letreiro foi retirado e consequências, para além do habitual encolher de ombros? Cada vez mais me convenço que como povo idolatramos a preguiça do facto consumado. Começa nas coisas grandes, como as descolonizações exemplares, os acordos ortográficos e o abate de navios e pomares, e vai acabar nos pedaços de património que se perdem não só por incúria, mas por desrespeito à memória.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »