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27  08 2008

Fronteira da fubá

Durante séculos, o território conhecido por Angola teve umas fronteiras indefinidas. Angola era a extensão de costa entre os rios Zaire e Cunene, que se prolongava para o interior do continente até chegar a Moçambique.

Os portugueses, essencialmente comerciantes, concentravam-se junto à costa. As vias de comunicação com o interior eram difíceis. A partir do século XIX, começaram a estabelecer-se entrepostos cada vez mais para o interior, sendo que o mais importante era o do comerciante Silva Porto. Este comerciante alojou o explorador Livingstone durante uma das suas viagens. Não gostaram um do outro. O inglês achou o português atrasado e o português achou o inglês com a mania das superioridades.

Com a expansão do império colonial Inglês, que pretendia unir o Cairo à cidade do Cabo com possessões inglesas, foi necessário definir as, ainda difusas, fronteiras orientais de Angola. A presença portuguesa no interior reforçou-se e foram efectuadas explorações cimentar o conhecimento do território. Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens efectuaram missões de exploração de Angola a Moçambique, cartografando novas terras. O ultimato inglês impediu o mapa cor-de-rosa, que unia Angola a Moçambique e acabou por dar origem ao Hino Nacional…


Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens passaram a ser um único explorador

O critério de ocupação efectiva, em detrimento da ocupação histórica, estabelecido na Conferência de Berlim de 1885, deu origem às fronteiras actuais de Angola, traçadas a régua e esquadro numa mesa alemã, desrespeitando as fronteiras naturais e sociais existentes.

As fronteiras não coloniais sempre foram maleáveis e definidas pela esfera de influência das várias tribos ou por acidentes naturais importantes. As línguas faladas em determinadas regiões eram os verdadeiros marcos fronteiriços. Actualmente, essas fronteiras têm vindo a desaparecer. A implantação do Português como língua oficial criou um sentimento de unidade nacional que reflecte as fronteiras de Berlim. Se, na província, é habitual ouvir os dialectos locais, nas cidades o Português é omnipresente. Muitos angolanos já só falam Português e não sabem a língua dos pais.

Mas há fronteiras que nunca desaparecem. Ao longo de Angola, há uma linha difusa, muito tortuosa, que serpenteia por montes e vales e é indiferente a tribos e dialectos, a ricos e pobres. Eu chamo-lhe a fronteira da Fubá.

Em Angola, a base da alimentação consiste em dois tipos de farinha, a fubá. Usa-se fubá de milho ou fubá de bombó, isto é, mandioca. Quem come milho diz que a outra não presta e vice-versa. De norte a sul do país se faz funge com uma ou outra e há sempre discussão acerca de qual o melhor.

A fronteira original era definida apenas pelas condições climatéricas. A mandioca não se dá em todo o lado e demora bastante tempo a crescer. O milho precisa de ser regado e permite colheitas mais regulares. No interior ainda é assim que se determina onde passa a linha de demarcação. Nas cidades, apesar da migração das populações, da mistura dos povos e da perda das línguas tradicionais, há hábitos que não perdem. Não se usa a outra fubá. A fronteira torna-se tortuosa, contornando bairros, casas e pratos. A qualquer momento muda e, sem darmos por isso, estamos do lado errado. Felizmente que as disputas fronteiriças se resumem a um “Não sei como consegues comer isso”.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Fronteira da fubá”

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  1. A fubá de milho e a fubá de bombó,fez-me lembrar as diferenças da nossa broa de milho branco, de milho amarelo, com mistura de centeio, com mistura de trigo. Qual delas a melhor, só provando.
    O que diriam os nossos Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, unidos no além em África?…
    Tu, já decidiste em que lado da fronteira ficas?
    Vê lá, não te comprometas!…
    Beijos, muitos.

  2. Cumpri o serviço militar no tempo dos aerogramas. Não fui mobilizado para Angola. Deste país conheço apenas o que resulta de algumas leituras e de conversas. Mas desde que leio os seus aerogramas creio que comecei a “cheirar” Angola. Por isso lhe agradeço as suas informações e análises. Já nem falo da qualidade do “correr da pena”. Boa saúde e trabalho sem problemas.
    Um abraço do
    Francisco Ferreira
    Coimbra

  3. A FUBÁ DE MILHO É MUITO DIFERENTE DA DE MANDIOCA. A FUNGE, FEITA DE FARINHA DE MANDIOCA, NÃO SE PODE MASTIGAR. É FAZER UMA BOLINHA COM OS DEDOS, PASSAR NO MOLHO E ENGOLIR. SE FOR MASTIGADA CORRE-SE O RISCO DE FICAR TODA AGARRADA À BOCA. BEM BOA!!!
    NO QUIMBELE COMIA-SE SEMPRE FUMGE. SENTADOS NO CHÃO COM A PANELA PRESA NOS PÉS, ERA BATIDA A MASSA COM QUANTA FORÇA TINHAM, DEPOIS ERA LEVANTAR E POR A PANELA NA MESSA. BOM APETITE.

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