da Anarquia

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Pontos de vista acerca da Anarquia

    Nesta conversa, de cerca de duas horas, que mantive no mIRC, no dia 25 de Outubro de 2001, com o Anarquista, expusemos os nossos pontos de vista em relação à Anarquia.

 

Eu - Anarquista, já agora. Porque é que existem organizações anarquistas? Não é um pouco contraditório?

Anarquista - Não! Como temos uma ideologia oposta à do estado eles metem-vos na cabeça que o anarquismo é desorganização, quando não é nada disso!

Eu - Ah!

Anarquista - O anarquismo admite sociedades/organizações/instituições/sindicatos...

Eu - Então isso explica muita coisa acerca da "república" anarquista Basca

Anarquista - O que não admite é hierarquias/poder/autoridade. No entanto a culpa não é só do governo. Existe por aí muita gente que se auto-intitula de anarquista para ser diferente, porque têm a mania que são maus. Pensam que um anarquista é um gajo que anda sempre com uma cerveja numa mão e um cocktail molotof na outra. Têm uma fobia social e então descarregam no anarquismo  e depois sujam o nome da ideologia.

Eu - Concordo.

Anarquista - Não me importo que achem utópico desde que saibam do que falam. O que me irrita é que 99% das pessoas que acham utópico não terem a mínima noção do que é o anarquismo!

Eu - Mas não é assim tão utópico. Já funcionou um sistema anarquista.

Anarquista - Dois!

Eu - Só tinha conhecimento de um. Qual foi o segundo?

Anarquista - Além do anarquismo Espanhol durante a guerra civil, houve um mini-anarquismo durante a revolução Russa. E se pensares bem, o movimento Maio de 68 em França basicamente é um movimento anarquista, apesar de não ter entrado em vigor. O próprio movimento hippie está muito relacionado com a ideologia anarquista.

Eu - De facto o Maio de 68 criticava o poder instalado.

Anarquista - O célebre slogan É proibido proibir não critica apenas o poder instalado. Critica o poder em si, pelo menos na sua acepção actual.

Eu - E foi o medo da anarquia sem organização que levou a que o movimento falhasse. Foram aqueles que não sabiam o que era a anarquia que a impediram. Os trabalhadores das empresas do estado, que de princípio apoiaram o movimento acabaram por a fazer param com medo de perder os postos de trabalho. Tiveram medo da desorganização.

Anarquista - Pois, além do problema de ser difícil divulgar o anarquismo como ele é pelo facto de termos a oposição lógica do estado.

Eu - Óbvio!

Anarquista - O outro problema é o facto de exigir uma boa educação, principalmente ao nível ético-moral.

Eu - E o anarquismo nunca poderá vir de cima. Se não há estado não há um partido que se possa apoiar, sem este partido não há boys e sem boys não há jobs for the boys...

Anarquista - Não percebo onde queres chegar.

Eu - Passo a explicar: quem está no poder tem toda uma máquina por trás. Essa máquina depende dela própria,  sabe que manda nos outros. Há uma relação de hierarquia. Se fosse só pelo poder acho que poucos quereriam mandar, mas com o poder há outras benesses. Sai a ganhar não só quem está no poder mas também os que estão na máquina (os boys). Para que a máquina funcione é preciso cativar os boys...

Anarquista - Sim, mas porque é que sem boys não há jobs?

Eu - As benesses de que falo são os jobs, posições de chefia, muito bem remuneradas. Se a máquina for destruída de repente, isto é, se a hierarquia desaparecer, já não há necessidade de cativar boys. Logo há uma série de posições MUITO bem remuneradas (e por vezes inúteis) que desaparecem.

Anarquista - Já percebi.

Eu - Os principais opositores da anarquia são esses quadros. São pessoas que até podem não pensar em ideologias, mas que a situação actual lhes traz vantagens...

Anarquista - Estás a dizer que as pessoas nunca se dariam ao trabalho de formar uma organização a não ser que fossem renumeradas?

Eu - Quase. Assim são mais bem remuneradas. E com menos trabalho... Estou a dizer que as pessoas que estão do lado do poder e mais ou menos a meio da hierarquia têm muito a perder...

Anarquista - Ah!

Eu - A vida corre-lhes bem, para quê mudar de sistema?

Anarquista - Isso é outra questão! Estás a dizer que é difícil lixar esses gajos? Estou a falar mal não por serem políticos mas sim por serem corruptos!

Eu - É preciso uma conjuntura muito especial. A única maneira de não compensar ser boy é quando o trabalho privado rende mais. Mas se o trabalho privado rende mais quer dizer que os índices de produtividade são tão compensadores que o sistema funciona bem. Ora se o sistema até funciona bem... para quê mudar?

Anarquista - O sistema funciona bem para uma minoria, porque isto não é uma democracia, é uma plutocracia!

Eu - Portanto só há uma altura em que é possível acabar com a hierarquia. É em alturas em que nem os boys têm benesses. Mas é nessas alturas que o cinto aperta e a malta quer lá saber de quem manda ou deixa de mandar, se temos Rei, presidente da junta ou cacique. Depende de quem aparecer para motivar a malta - um líder...
Mas um líder implica hierarquia...

Anarquista - Basta uma boa educação, e falta de razões para fazer asneira. ausência de injustiças, etc.. Não são precisos líderes.

Eu - Isso partindo do princípio que ninguém tem fome. O sistema actual só desaparece se a situação estiver suficientemente má. Logo há razões para fazer asneira... e injustiças. Não digo que uma anarquia não seja um sistema viável.

Anarquista - Não é partido do principio que ninguém tem fome, é partido do principio que todos têm a mesma fome!

Eu - Mas como instaurar a anarquia... aí é que a porca torce o rabo!

Anarquista - Pois! Nisso estou de acordo contigo. Mas não é assim tão difícil, porque se isto continua assim, as pessoas fartam-se!

Eu - Para que todos tivessem a mesma fome teria de haver um regime transitório em que os bens privados fossem nacionalizados e por aí fora, até que todos tivessem o mesmo. E isso já é começar a cair em regimes diferentes, por exemplo o comunismo. E à medida que o sistema actual se perpetua o fosso entre ricos e pobres alarga-se... é verdade que se lermos Marx chegamos à conclusão de que a sua teoria é a única que faz sentido, em termos de justiça, mas se me perguntarem se estou disposto a fazer os sacrifícios necessários para lá chegar digo já que não.

Anarquista - Mas é nessa altura é que dá para despoletar uma revolução.

Eu - E quem a despoleta?

Anarquista - Não é preciso muito para despoletar revoluções. Basta um acto bem planeado e simbólico. E não estou a falar de atentados.

Eu - Pois, até porque os atentados apenas fazem com que se cerram fileiras de ambos os lados...
Mas nos tempos que correm tens de ter um patrocinador oficial, porque se não aparece na televisão ninguém liga.

Anarquista - Há muitas coisas que o governo usa ilegalmente para se manter no poder que se pode virar contra ele num ápice. Mas estás enganado. É verdade que se não aparecer na televisão ninguém liga, mas não é preciso patrocinador para aparecer lá.

Eu - Pois não.

Anarquista - Aí o Capitalismo joga a nosso favor.

Eu - Mas o consumismo joga contra... Se não apareceres entre as novelas não és visto. E os tempos de antena não são entre as novelas... Resta-te aparecer nas notícias, mas com tanta notícia sensacionalista a ser vomitada as mensagens políticas diferentes passam despercebidas (porque precisam de algum tempo para se reflectir nelas e, entretanto, já lá vem outro fait-diver).

Anarquista - Não passam despercebidas, não.

Eu - Havemos de discutir esse ponto noutra altura. Até à próxima.

Anarquista - Boa noite.