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22  03 2011

Pão de pernas-para-o-ar

Uma das mais antigas invenções humanas é o pão. Deve ter surgido na Mesopotâmia pouco depois da descoberta agricultura e a alimentação humana nunca mais foi a mesma desde então.

Tal como na olaria, em que o barro endurecia por uma misteriosa acção do fogo, o fabrico do pão era uma estranha alquimia. A partir de uma massa mole e elástica obtinha-se um novo alimento, mais fácil de comer e transportar que o cereal do qual era feita a farinha.

A descoberta do fogo, da moagem e da agricultura foram saltos civilizacionais sem comparação possível com épocas mais recentes. Automóveis e electricidade, as inovações mais significativas dos últimos séculos, apenas vieram permitir fazer o mesmo de forma ligeiramente diferente.

Mas voltemos ao pão. Cá em casa costumamos fazê-lo nós mesmos. Umas vezes com a máquina, o que se resume a medir água e farinha e esperar algumas horas, e outras vezes à mão, que é um pouco mais trabalhoso, mas o resultado final é muito melhor.

Obviamente que, graças aos confortos do mundo moderno, nos podemos dar ao luxo de cozer um pão de cada vez. As grandes fornadas dos fornos comunitários das aldeias justificavam-se pelo grande investimento em lenha para se desamuar o forno. Cozia-se pão com alguns dias de intervalo e em grandes quantidades. Cada um reconhecia o seu quer por uma qualquer marca especial que lhe tenha feito ou pela própria forma de o moldar depois de amassado.

Pão
Amassando

Tal como o barro ganhava uma alma, facilmente atestado pelo som que as peças ganham depois de cozidas, o pão também se tornava uma entidade nova. Esta crença subsiste até aos dias de hoje, com o pão a ocupar um lugar central em muitas religiões. O pão, como entidade, é respeitado. Simboliza a vida, afinal de contas.

Diz a tradição que não se deve virar um pão de pernas-para-o-ar, não só porque não é a posição em que melhor se equilibra ou aquela em que fica mais bonito, mas porque é uma falta de respeito. Apesar de tudo, nunca vi ninguém reclamar com o padeiro por ter os pães num monte dentro de um cesto de verga.

Pão
Acabado de fazer

Há quem diga que esta tradição se prenda não só com considerações estéticas ou por respeito para com a entidade pão, mas por razões mais práticas. Uma possível explicação é a lenda do pão do carrasco, que ouvi ou li onde a memória já não me sabe dizer. 

Reza, mais ou menos assim: há muitos séculos, nas cidades e vilas onde a maioria dos habitantes não trabalhavam a terra, os fornos comunitários não existiam, cabia aos padeiros fazer e vender o pão a quem o pudesse comprar. Uma profissão bem paga, tida como necessária, mas muito mal vista era a de carrasco. A associação entre o pão, símbolo da vida, e o carrasco, símbolo da morte, era estranha e, por isso, o pão do carrasco era posto de parte e, para não se confundir com nenhum outro, era virado ao contrário, tornando-se, também ele, morte.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

4 respostas a “Pão de pernas-para-o-ar”

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  1. Excelente artigo, só é pena ter sido o Yeti a amassar o pão…

  2. E para ficar bem amassado é preciso imitar os sons do abominável homem das neves!

  3. Porquê o pão um lugar central nas religiões? È que CRISTO na Sua ultima ceia, ao partir o pão disse como “mandamento”: (fazei isto em memória de mim).O vinho é também um lugar …,è como “mandamento” e em linguagem biblica, o vinho aquece o coração. Esses dois mandamentos são feitos pelos cristãos na pascoa, com datas diversas entre as religiôes cristas. representa um respeito pelo sacrifício da morte de CRISTO.

  4. Não é apenas na religião cristã que o pão é elemento central, mas concordo que é a que mais destaque lhe dá.

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