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Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

11  08 2008

Fenómenos

Tenho tido a sorte de ser acompanhado por um guia fantástico. É português, mas está em Angola desde 1961. Combateu na Guerra do Ultramar e por cá ficou. Já bebeu das águas do Bengo. Não regressa.

É mais angolano que português. É preto por dentro, mas de pele branca. Fala muitos dos dialectos principais e sabe praguejar nos outros todos, embora mantenha o seu sotaque beirão. Regateia tudo, absolutamente tudo, até ao último tostão. Já o vi regatear os últimos 5 Kz. Não resiste a uma mulher bonita. Seja ela de que cor for. Segundo diz, primeiro as mulheres são pretas, depois ficam mulatas, depois passam a morenas e, a dada altura parecem loiras. Promete casamento a todas, mas só por uma noite…


Um pedido de casamento à vendedora de ananases

Conduz como um africano e não se atrapalha em sair do carro para ir insultar mais de perto quem bloqueou o cruzamento. Os angolanos ficam desarmados ao ver um branco a praguejar em kimbundu fluente e a tecer considerações acerca da profissão da progenitora do condutor.

Conhece os recantos todos do país, bem como as variações gastronómicas das várias regiões. No dia da cabidela em Ganda, avisou-me logo que a galinha ia ser dura. E era!

Às vezes lembra-se de contar as suas aventuras. Todas têm uma aura de fantástico, a roçar o improvável ou cinematográfico, misturado com o inventado na altura. No entanto, as histórias são contadas com um colorido tal que não se consegue destrinçar onde começa a liberdade artística e onde termina o real. É um excelente contador de histórias, portanto. Os temas recorrentes são a guerra, as mulheres, os diamantes, as mulheres, os percalços na estrada, as mulheres, a caça e as mulheres. Ficamos na dúvida se o Casanova não seria um português a viver em Angola… Fala da Angola colonial e nas coisas boas que havia, mas não é um saudosista. Angola é o seu país, esteja como estiver.

Quando se junta a outros portugueses que estiveram em Angola nos temos do Império, há sempre a tendência de contar uma história que supere a do parceiro. E é nas histórias de caça que a imaginação perde as estribeiras e lá se confirma o tal provérbio dos caçadores, pescadores e outros mentirosos.

Pelas conversas a que tenho assistido, estou plenamente convencido que em Angola é possível carregar rinocerontes às costas, matar jacarés só com o mau hálito, estrangular jibóias com as meias e matar leões à bofetada.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Fenómenos”

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  1. Ali na Sicasal matam porcos só com um dedo…carregam no botão e “TZZZZZZZQ!”… já está!

  2. – Isso que vocês estão a fazer é para quê? – perguntou ela.
    – É para enfiar a água, para enfiar a luz, para enfiar os esgotos… para enfiar tudo! E tu, gostas que te enfiem tudo?

    Ora aí está… directo ao assunto!

  3. Realmente é uma sorte teres como guia um português bem aculturado.

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