Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

30  05 2009

Maria Teresa

A caminho do Dondo, um pouco antes do controlo que marca a entrada no Kwanza Norte, há uma pequena povoação que tem quase tantos restaurantes como habitantes.

No tempo em que as terras eram chamadas pelo nome de um dos seus habitantes, esta chamou-se Maria Teresa. Foi este o nome que ficou quando os colonos portugueses resolveram oficializar os nomes das terras nos mapas. Podia ter sido pior. Podia ter ficado com nome de quilómetro.

Estas povoações com aspecto de esplanadas típicas, com grelhadores à porta, tectos de capim ou chapa e cadeiras de plástico encontram-se ao longo das vias principais. As maiores, tenho reparado, repetem-se a cada centena de quilómetros, como se fosse esse o ritmo a que os estômagos se queixam. Durante anos deve ter havido uma subtil adaptação entre a oferta e a procura, que acabou por marcar o declínio de umas e ascensão de outras terras.

Isso não quer dizer que se tenha de passar fome no entretanto. Ao longo da estrada, as lavradoras e alguns rapazes mais novos montam pequenos fogareiros onde vão assando milho. Depois ficam de pé na berma da estrada, acenando com duas ou três maçarocas na mão.

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50 Kz de maçaroca assada

Em vez de maçarocas, há quem venda fruta, múcuas, peixe, galinhas ou uma série de pequenos animais que teve o azar de se cruzar com um caçador. A fruta é exposta numa pequena banca improvisada e os animais, invariavelmente, estão na ponta de um braço esticado.

A viagem até à Maria Teresa é feita sempre na estrada que liga Luanda ao Huambo, que está em boas condições. Um pouco depois, e até ao Dondo, os chineses lutam para renovar a estrada, até agora sem grande sucesso. O que precisamos, a todo o momento, é de uma dúzia de olhos extra. As regras habituais de trânsito não se aplicam na maioria das estradas angolanas. Há alturas em que damos por nós, com toda a naturalidade, a circular pela esquerda para, umas centenas de metros à frente, nos cruzarmos com os que vêm em sentido contrário, tentando imitar o bailado dos polícias com as motas nas paradas militares. A viagem nunca é monótona.

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Vamos bem ou vamos mal?

A chegada não é nada de especial. Na berma norte da estrada há um terreiro com umas poças de água escura e lixo. A poeira fina que cobre as partes secas faz adivinhar um lamaçal de categoria nos dias a seguir às chuvas. Do outro lado do terreiro, panelas assentes nas brasas feitas logo pela manhã vão fervendo e contando histórias umas às outras com as tampas a saltitar em morse.

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A cozinha

As panelas servem de mostruário. Uma delas contém, como sempre, uma massa branca e quase insípida a que chamam de funge. As restantes têm carnes de bichos vários feitos aos pedaços e cozinhados. No dia em que lá fomos, tinham javali e veado.

Não recomendo que se chegue na hora a que preparam a refeição, sob pena de se perder o apetite. As peças de carne são desmontadas num plástico sujo assente no chão. As moscas, que vieram com a carne, continuam a rondar a cozinheira, a faca e o plástico. Depois de cortada em pedaços pequeninos, a carne é temperada com massa de tomate e alguns pelos do bicho. Vai para a panela estufar durante umas horas. Esperamos todos que este tratamento seja esterilização suficiente.

Ao lado das mesas há sempre um alguidar com loiça e talheres que são lavados, por assim dizer, com o trapo sujo que está ao lado. Um pouco mais à frente, um barril de plástico cheio de água acastanhada supre as necessidades da cozinha, que seja para cozer o funge ou para lavar os pratos. O que não mata engorda, não é verdade?

Desta vez comemos o veado porque os parasitas do porco estão mais adaptados aos humanos e todo o cuidado é pouco. Estava uma delícia. Encontrei uma única borbulha no funge que, à excepção desta mazela estava perfeito, até em sabor.

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O pitéu

Ao contrário do que se passa em Luanda, aqui fazem questão de se esquecer de que somos brancos e tratam-nos como pessoas. Nestas alturas lembramo-nos porque é tão fácil gostar desta terra. Conversamos e brincamos com a dona do restaurante e com os outros clientes. No final vem a conta: 1200 Kz pelas duas refeições e pelas bebidas, que isto não é a capital.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

8 respostas a “Maria Teresa”

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  1. Caro Afonso,

    Nos anos 60 do século passado Maria Teresa foi para mim um sítio onde foi possível aconchegar o estômago e também sossegar o espírito, inquieto, pela guerra. Nos anos 70 voltei lá, a caminho do Dondo e de Massangano e Maria Teresa continuava, como sempre, hospitaleira. Vejo que não perdeu o jeito e continua a saber receber as pessoas com humildade. Sem arrogância.
    As fotografias são fabulosas e aquele prato de funje é um monumento em Maria Teresa e em todo o lado!
    Os meus cumprimentos.
    elmiro

  2. Amigo Afonso (Bate’stradas)
    Subscrevo o que diz o Elmiro. Nos idos de 60 lá estive com ele. Mais tarde já não. Quanto ao petisco, não o tendo provado, soube-me como se o tivesse comido também e aquele prato de funge é de facto um “monumento” como diz o Elmiro.
    Para ambos um forte abraço. P’ró Afonso, continuação de boa estadia e mande para aqui tudo o que puder. Tudo será bemvindo.
    Forte abraço.
    José Rebelo

  3. Passados 40 anos recordo com saudade a localidade de Maria Teresa,onde comandei um pelotão durante 3 meses, a companhia estava na Barraca. Ia a Zenza do Itombe e ao Dondo. Lembro-me de estar na inauguração da fábrica da cerveja da EKA. Um grande abraço

  4. recordo Maria teresa com grande saudade fiz tropa era enfermeiro no ano de 1969 que saudades dessa linda terra
    um forte abraço muito muito grande principalmente para
    aqueles que passaram pelas minhas mãos com ferimentos o
    doença

    um forte abraço deste amigo que tanto gostou
    de maria teresa e barraca Manuel tavares

  5. Grande Amigo

    desculpa não mencionar note porque todos serão desde
    que me seja fornecida informações da família que vivia mesmo enfrente ao quartel onde tantos serões passei.

    guardem com muito carinho este forte abraço deste vosso amigo Manuel tavares

  6. meu mail é

    o Manuel

  7. Eu faço uma pergunta: será que este nome é de uma roça do Norte de Angola? É que eu estive em Cambamba, com sede no Zemba. Mas lembro-me deste nome bem como da Maria Fernanda, Santa Eulália, Liberato, Nunes, Maria Donzília, etc.Algumas com história…Obrigado. Um abraço.

  8. É bem possível que este nome se repita.

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