Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

11 2008

Alembamentos modernos

A mistura de tradições ancestrais com o mundo moderno dá origem a uns híbridos que nem sempre são fáceis de perceber.

Na sociedade angolana, o casamento rege-se por duas correntes, a ocidental, com casamento no registo civil ou na igreja e a tradicional, com alembamentos, pedidos e casamentos. Poucos são os que optam exclusivamente por uma vertente e o habitual é cumprir os ritos tradicionais e culminar no casamento civil ou religioso.

O alembamento, que no fundo é a compra da noiva à família, foi sendo adaptado às circunstâncias modernas e à vida na cidade. No campo, a família do noivo entra em acordo com a da noiva acerca do valor da rapariga. Esse valor é determinado em gado, cereais ou outros produtos. Regateia-se a noiva com aquilo que há de mais valioso na região. Na cidade, o gado foi substituído por dinheiro, roupa ou bebidas.

O alembamento, apesar de não ser pré-requisito para um casamento oficial, está de tal forma instituído que até existem formulários próprios para o pedido.

O valor a entregar no momento do alembamento segue algumas normas, para evitar abusos ou tentativas de enriquecimento súbito por parte da família da noiva. É obrigação do noivo entregar tantas grades de cerveja quantas forem necessárias para atingir a altura da rapariga. É vantajoso escolher uma noiva baixinha!

Para além da cerveja, deve também trazer algumas garrafas de bebidas destiladas como aguardentes e whiskys. É essencial que haja um garrafão de vinho, um maço de tabaco e uma caixa de fósforos. E os fósforos não podem ser substituídos por isqueiros. Este é um pormenor muito importante, que tenho de tentar perceber melhor.

Juntamente com a carta de alembamento o noivo deve entregar uma quantia em dólares, cujo montante varia entre 200 e 400, dependendo apenas das posses do noivo ou da vontade de impressionar a família da noiva.

Um fato completo, com sapatos e chapéu para o pai da noiva, um vestido para a mãe e para as damas d’honor são essenciais, porque não se quer gente mal vestida no casamento.

No dia do pedido, o noivo vai até à casa da noiva. À entrada do quintal, as tias da rapariga espalham panos, que o noivo terá de pisar até chegar ao local designado para a leitura da carta. Na verdade, nem todas são tias. Há algumas vizinhas que aproveitam a boleia. Em cada pano tem de deixar notas de dólar. Quanto maior o valor, melhor, mas não é proibido usar notas pequenas. Depende apenas das posses do noivo e da vontade que tem de impressionar a família da noiva.

Durante este tempo, a noiva está escondida. As tias negoceiam com o noivo o valor que ele terá de pagar para elas trazerem a rapariga às costas. Depois de tudo acertado, trazem a noiva e lê-se o pedido. Tudo é conferido, não vá o noivo ter faltado à palavra e ter-se esquecido de trazer um ou outro lenço. Se faltar alguma coisa ao acordado, o pedido é rejeitado. Até nos alembamentos funciona a intolerância da burocracia pública.

Nalgumas zonas do interior, há a tradição de que os pais dos noivos se devem carregar às costas numa determinada distância. Aquele que não conseguir carregar o outro deve pagar uma multa. A tradição da gasosa está de tal modo enraizada que para ver a noiva se tem de pagar!

Se tudo estiver em ordem, marca-se a data do casamento. Nalgumas famílias deixa-se ao critério dos noivos, noutras são os pais que decidem.

O casamento implica mais um investimento para o noivo, que, por vezes, tem de pedir um adiamento da data do casamento estipulada pelos pais porque ainda não tem posses para tal. Só pode casar depois de ter a casa montada para receber a noiva.


E depois ainda há que pagar ao fotógrafo

Como já deu para perceber, o alembamento e o casamento representam um esforço financeiro medonho para o noivo e respectiva família. Não é de estranhar que os angolanos tenham muitas namoradas, que, a curto prazo, saem bem mais barato… é talvez a diferença entre comprar e arrendar casa.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

8 respostas a “Alembamentos modernos”

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  1. Esse ritual de comprar a noiva à familia, tens alguns pormenores bem curiosos… ter de carregar os pais dos noivos senão leva uma multa, já não chegou vesti-los, calça-los…
    É sem dúvida um grande investimento.

  2. Nesse complexo processo, a noiva tem voz activa na decisão final, ou é, simplesmente, a mercadoria que se vende a quem mais der?
    O pormenor dos fósforos é curioso. Será que há reclamações se os fósforos não acenderem por alguém os ter experimentado antes, para ver se estavam bons?

  3. Seus posts são muito ricos de conteúdo. Aprendo e me divirto com eles. Parabéns e obrigada.

  4. Mas os noivos já se conhecem? Ou isso é tudo marcado pelos pais?

  5. Só nas províncias é que ainda há casamentos arranjados. Nos meios mais urbanos, é apenas um formalismo e mais uma justificação para a festa.

  6. Existe a opção de ALD ou RENTING?

  7. Gostei muito da tua matéria, se puder envia para mim, será privilégio conhecer melhor a cultura angolana a respeito do casamento e alembamento.
    claudio.fernando87gmail.com

  8. Se souber de mais coisas, publico.

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