Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

29  06 2008

Crianças

Uma vez que ontem terminei com uma criança, hoje é justo que fale outra vez delas.

Luanda está cheia de crianças. Em qualquer recanto aparecem duas dúzias de crianças de todas as idades. Quase todas as vendedoras trazem um bébé às costas.


No negócio de família

Nos musseques, as crianças que ainda não vão à escola costumam andar a correr de um lado para o outro só de cuecas. As tais cuecas garridas que contrastam com o castanho baço da paisagem. As que vão a escola andam de bata branca. Algumas transportam um banco, porque a sala de aulas só tem chão e quadro. As batas brancas identificam os estudantes até à entrada na Universidade.


A caminho da escola

Apesar de haver muitas escolas oficiais, há também muitos colégios privados. Alguns são geridos por congregações religiosas, na sua maioria protestantes. Estes oferecem mais condições, naturalmente.

Não tenho visto muitos brinquedos, nem sequer os feitos pelas próprias crianças. Nos bairros com mais lixo, as crianças brincam com garrafas e latas. Nos mais afastados da cidade, com menos lixo e mais espaço, já vi alguns exemplos dos brinquedos que associamos a África.


A mota e o construtor

Em cada largo há crianças a jogar à bola. Até certa idade, rapazes e raparigas. Quando mais velhos, só rapazes. As raparigas passam a ter de se ocupar de outras coisas. Por vezes dos próprios filhos. A partir de certa idade, acabam-se os jogos e brincadeiras.


Saudades de jogar à bola

Mesmo com toda a agitação causada por um jogo de futebol de crianças, há quase sempre um cão a dormir no meio do campo. O jogo desenrola-se sem o acordar. O herói nacional é o Pedro Mantorras, que até patrocinou a construção de alguns campos com mais condições (balizas).


A bola


As brincadeiras

Outro tema recorrente associado às crianças é a dança. Desde pequenos que dançam. Eles e elas podem ver-se a dançar numa roda, mostrando os passos que viram na televisão ou que imitaram de alguém que viu, associados aos passos tradicionais. O acompanhamento é quase sempre feito com palmas, cantorias e uns imensos sorrisos. O provérbio “Quem canta seus males espanta” foi adaptado para um bem angolano “Quem dança seus males espanta”.


A dança


Apanhando gafanhotos

Perto da fortaleza encontrei dois garotos a apanhar gafanhotos. Lembrei-me de quando também apanhava gafanhotos. Para as crianças não há assim tantas diferenças no mundo. Mesmo que a um hemisfério de distância.

Mas o que mais choca é que a necessidade de sustento força os angolanos a trabalhar desde muito cedo. Aqui o sustento é difícil.


Lavadeiras e lavadores de carros

Já perdi o conto a quantas crianças vi remexer nos montes de lixo, à procura de alguma coisa com utilidade ou valor. É inútil. Em Luanda só se deita fora tudo o que já foi espremido até não sobrar nada.


O sustento

Apetecia-me escrever mais, mas assim que escolhi as fotografias que ilustram este tema fiquei sem vontade de o fazer. As crianças angolanas cantam, riem e dançam porque não conhecem outro mundo. Os adultos já não o fazem porque sabem que há uma vida diferente à qual não têm acesso. Eu vivo nesse outro mundo e não tenho vontade de sorrir.

A fugir à miséria

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

5 respostas a “Crianças”

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  1. O melhor do mundo são mesmo as crianças!
    Apesar da miséria que as rodeia conseguem encontrar razões para sorrir.
    É também curioso ver que os povos mais pobres vivem a vida com muita música e sempre a dançar. Nisto temos que tirar uma lição, tristezas não pagam dívidas.

  2. É comum ver as crianças oriundas de famílias de baixa renda correndo pelas ruas sempre com um sorriso estampado nos lábios, pode parecer estranho, mas no meio de tanta pobreza estas crianças são verdadeiramente felizes! Elas vivem a infância no seu todo, brincam como crianças, sonham como crianças, dizer que são menos felizes do que as crianças de países desenvolvidos seria um erro porque elas nunca conheceram o outro lado por isso não tem parâmetro de comparação a não ser pelo que vêem nos programas televisivos. O maior problema não é a falta de brinquedos, como pôde comprovar muitos dos objectos de brincadeiras são criados/inventados por eles, o problema está mesmo na deficiência alimentar, aí muda toda a história…

    Ps. Para um europeu não é normal ver tantas crianças usando apenas cuecas, mas tem uma lógica, o clima propicia pouca roupa, usar apenas cueca é muito mais económico do que usar cueca + calção, além de ser mais fácil de lavar apenas uma cuequinha do que cuecas + calção + t-shirt 😉

    Ps1. Muitas coisas que escreve se assemelham com realidades brasileiras

  3. Parabéns!

    Adorei as informações e gostaria de dizer que, assim como as crianças de Luanda, as que aqui vivem também carrega a mesma esperança e a alegria e que o dia seguinte poderá ser melhor, por isso brincam.

  4. Parabéns, gostei muito das informações, passei aqui por acaso, estava realizando uma pesquisa para trabalhar na sala de aula e matar a curiosidade das crianças que queriam saber sobre a vida das crianças africanas. Posso utilizar suas informações no meu trabalho?

  5. Pode usar à vontade, mas agradecia que incluísse uma indicação da fonte.

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