Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

17  09 2009

Amândio, o retornado

Graças a um trabalho que, há uns anos, me levou ao interior de Trás-os-Montes, fiquei a conhecer um pedacinho mais do Portugal profundo que tanto gosto. Vi paisagens que ainda hoje me preenchem os sonhos mas, acima de tudo, conheci pessoas interessantes.

Uma delas foi o Sr. Amândio, de Mogadouro, que ficava de trombas sempre que o Porto perdia um jogo. Ao contrário dos restantes transmontanos da sua idade, falava mais com os braços do que com palavras mas, à semelhança dos demais, em cada três palavras, uma ou duas eram um palavrão. Era muito engraçado ouvi-lo falar.

A dona do café onde ele trabalhava um dia explicou-me muito baixinho, como se fosse um daqueles segredos negros que é bom manter escondido, porque razão o Sr. Amândio era assim «Não ligue, ele é retornado…» Trinta anos depois de regressar a Portugal, o estigma de retornado ainda o perseguia. Mogadouro é uma terra consevadora, evidentemente.

Uma coisa que fazia muita confusão às pessoas era que o Sr. Amândio e outro retornado da mesma idade de vez em quando desatavam a falar a língua dos pretos um com o outro e ninguém os percebia. Ambos tinham sido comerciantes no interior de Angola e falavam Kimbundo fluentemente. Era a maneira de matar as saudades da terra para onde tinham ido ainda crianças.

Em Mogadouro
Em Mogadouro

Como todos os retornados, era sempre com olhos brilhantes que falava de África. Em 1975 rumou a Mogadouro, onde os pais tinham deixado algumas terras e recomeçou a vida. A conversa que tive com o mais-velho de N’Dalatando fez-me lembrar esta personagem. Julgo que já morreu.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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