Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

07 2009

Perdido. Achado. Leiloado.

Num país que tudo importa, seria de esperar que portos, alfândegas e serviços aduaneiros fossem uma máquina bem oleada, capaz de movimentar as mercadorias numa almofada de experiência e eficiência. Todos sabemos que a realidade é outra.

O suplício do importador começa duas semanas depois de saber que o seu contentor deixou o porto de origem. É por esta altura que chega a Luanda. O navio junta-se às outras oito dezenas que aguardam a vez para descarregar.

Entre três a quatro meses a ver a âncora segurar o navio enquanto este vai de lá para cá ao sabor da maré, é o quadro habitual. Alguns comandantes, conhecedores destas esperas aborrecidas a ver Luanda, optam por uma técnica muito angolana para evitar desperdício de recursos. Chegam ao porto, tiram a senha de vez e rumam a outro sítio qualquer fazer o que tiverem de fazer. A cada mão-cheia de semanas voltam só para saber se a fila andou ou se há sistema, como fazem no banco da esquina. Com um pouco de sorte, fazem dois ou três serviços e aportam a Luanda para uma espera curta.

Depois de descarregados os contentores, acabam-se os problemas do navio, que parte para outras paragens, invariavelmente vazio. A espera do importador ainda está longe de terminada. Agora tem de vencer a burocracia da alfândega.

Porto de Luanda visto do Eixo Viário
Porto de Luanda

Por vezes acontece que as coisas demoram tanto tempo que o próprio dono da mercadoria se esquece dela ou vai à falência antes de poder sequer rentabilizar o seu investimento. Como o porto de Luanda tem a sua capacidade de armazenagem de contentores largamente excedida desde há anos, criou-se um armazém temporário fora da cidade a que se dá o nome de Porto Seco de Viana. Mas até mesmo esta solução de recurso está a atingir os seus limites.

Por lei, as mercadorias não podem ficar mais de sessenta dias no porto após o desalfandegamento. A partir daí são consideradas abandonadas. Antecipando que nem sempre esta operação corre com a celeridade devida, a administração portuária prolonga este prazo até ter necessidade absoluta do espaço.

De vez em quando, no jornal das boas notícias, é publicado um edital com a lista dos contentores que estão há demasiado tempo no porto. Semanas depois, publicam um novo edital com as mercadorias abandonadas a leiloar. E encontra-se com cada coisa…

Descobre-se que alguém importou dois vidros laterais para a iáce, ou o recheio da casa no estrangeiro, incluíndo roupa e cosméticos, ou até mesmo que tenha importado dois pneus e um farolim e se tenha esquecido de os desalfandegar.

Os casos mesmo estranhos não se passam com as pessoas que se esquecem ou não podem desalfandegar meia dúzia de cangalhos e os acabam por perder para o Estado. Estranho, mesmo estranho, é saber que há dois contentores carregados de latas de Cuca e de Coca-Cola vazias abandonados pelas fábricas de engarrafamento, ou descobrir que uma empresa encomendou, pagou e enviou material de topografia para Angola e resolveu nem o ir levantar ao porto. Mais esquisito ainda, é ver na lista que a TAAG importou um contentor de guardanapos e copos de papel e o abandonou no porto.

Assim, quem quiser licitar um lote de vinte baldes de massa consistente ou três jantes cromadas de tamanhos vários, queira consultar os editais onde se indicam as datas e locais dos leilões.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

6 respostas a “Perdido. Achado. Leiloado.”

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  1. O pior de tudo é quando os contentores vão para o Lobito e só se dão ao trabalho de avisar as pessoas quando bem lhes apetecem.

    Nunca vi um serviço alfandegário tao desajeitado como esse. É uma valente enxaqueca. É preciso ter muita paciencia…

  2. Preciso de ajuda para fazer uma escolha…Como é viver em Luanda?

    Muito obrigado

  3. Cara Rita,

    Viver em Luanda pode ser aceitável ou muito mau, dependendo das expectativas e capacidade de adaptação de cada um.
    Há dias difíceis, como em qualquer parte do mundo, em que tudo se parece conjugar para nos dar cabo da cabeça, mas há outros que se nos afiguram bastante bons.

    Se partir com espírito de aventura e pronta para enfrentar as atribulações de uma cidade complicada, dar-se-á bem em Luanda.

  4. Muito obrigado.
    Acho que se for terá de ser mesmo com espirito de aventura, que no meu caso será de meses… Penso que tenho uma boa capacidade de adaptação, ma… O meu maior receio é só a segurança. Mas vou guardar com toda a atenção o seu conselho. Estava a precisar. Mais uma vez muito obrigado. Rita 🙂

  5. Também por cá sabemos identificar as zonas mais ou menos inseguras de cada cidade. Em Luanda é igual. O bom senso é amigo da segurança.

    Não vale a pena fingir que é a cidade mais segura do mundo, mas também não é tão má como pode parecer.

  6. É verdade, tem toda a razão. 😉 Mas como vou sozinha, estou a tentar averiguar o máximo que conseguir.

    Mais uma vez, muito obrigado.

    Rita

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