Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

20  09 2009

Solução elegante

O José tinha um problema. Um problema grave. O seu partido tinha ganho as eleições com uma maioria para lá de absoluta, qualificada ou suprema. Um problema gravíssimo. O José prometeu que faria eleições para o lugar que ocupa. Para o lugar de presidente de todos. Mas começou a desconfiar que teria menos votos que o seu partido. Um problema que se agravava a cada dia que passava. Porque a cada dia as pessoas se perguntavam porque razão adiava ele o prometido. Porque os que votaram no partido votaram no José e é inconcebível que, quando chegar à altura de votar no José, haja menos a votar do que no partido. E assim não seria o presidente de todos. Que dilema. Que dilema.

Sugeriram-se soluções. O partido eleito nomeia o José como presidente de todos. Não serve. Haveria sempre quem o acusasse de deturpar valores fundamentais. Para além disso, rebaixava o José a alguém que o partido indigitou e isso não pode ser, porque o José é quem manda no partido e não o contrário.

Os dias passavam e o problema do José agravava-se ainda mais. Graças à crise mundial, era agora impossível repetir o brilharete do partido, nem que conseguisse fazer outra campanha de encher o olho. Diziam que tinha de se esperar para alterar as leis fundamentais ou que a altura não era propícia, mas o problema estava apenas a ser adiado.

Finalmente, uma solução surgiu. Uma solução tão simples e elegante que quase parece ser o ovo de Colombo. E que tal eleger o José com os votos do partido e mais nada? Eleições dois-em-um, em que se vota no partido e na fotografia do José. No final, o partido agradece ao José por lhe ter emprestado a fotografia e nomeia-o presidente. Já agora, evita-se o aborrecimento de fazer novas eleições quando ainda nem se esqueceu as anteriores. Talvez seja boa ideia esperar pelo fim da legislatura. Só faltam três anitos, coisa pouca. E assim, o José dorme descansado porque nunca terá menos votos que o partido do José!

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

11 respostas a “Solução elegante”

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  1. Caro Afonso,

    Atrevo-me até a pensar que o José tem sempre um plano Z para o caso de todos os outros se mostrarem inseguros: convoca-se o exército cubano para ajudar a restabelecer a ordem no mpla e a elegerem o José com 99,1% dos votos.
    Um abraço.
    elmiro

  2. Atenção à “DISA”!

  3. Nada do que escrevi neste artigo acrescenta ao que tem sido publicado em jornais angolanos ou noutros blogues.

    Ver, por exemplo:
    Pensar e falar Angola
    Alto Hama 1
    Alto Hama 2

    Mas já estou a contar com as vozes do costume, que apregoam liberdade de expressão, mas gostam de calar quem discorda.

  4. O José não é nada nada, nadinha ingénuo… ;P

  5. Eu concordo consigo! Acontece que continua a “desaparecer” gente em Angola. Quem escreve no Alto Hama vive em Portugal. Veja o que aconteceu ao jornalista da Folha8 e pergunte ao pessoal da FdP como foram as suas estadias na Cadeia Central de Luanda. É preciso não esquecer que gente que está actualmente no poder em Angola já lá está desde 75 e que ao contrário do que se possa dizer no fundo nada mudou. As barbaridades continuam e é preciso ter consciência clara disso. Foi apenas nesse sentido o meu comentário inicial.

  6. Agradeço o aviso.

    Publiquei este artigo apenas depois de ver a história divulgada em jornais e agências de notícias, como salvaguarda.

    Já percebi que em Angola há liberdade de expressão até ao ponto em que se diz coisas incómodas.

  7. Eu queria dizer FpD (Frente para a Democracia) e não FdP.
    Por favor não me leve a mal mas vejo as coisas a agudizar e a tentativa de limpar o nome do A.N. mostra que se está a tentar varrer o passado a todo o custo. Por favor, quando puder leia o livro “Repensar Angola” de Carlos Pacheco.

    Um abraço,

  8. Infelizmente, está esgotadíssimo.

  9. Acredito que seja necessária alguma cautela para fazer certo tipo de comentários. Todavia, o autor do post limita-se a aludir a informação que aparece na comunicação social e a relatar certos factos históricos.

    Não posso deixar de fazer referência ao facto de estarem espalhados por Luanda numerosos cartazes com a foto do José, acompanhada de alguns “clichés” que consubstanciam dogmas e valores que, supostamente, são, não apenas existentes em Luanda, como defendidos.

    Olho. E sorrio. Não rio, não vá ter algum “acidentezinho”.

    Cumprimentos

  10. Mesmo relatando o que se lê nos jornais angolanos e noutros blogues, já começo a ficar escaldado com as ameaças que recebo sempre que publico alguma coisa um pouco contra a corrente de pensamento oficial.

    E eu que me livre de voltar a falar na data maldita.

  11. De facto, é diferente escrever a partir de Portugal ou de Angola. Por enquanto. Em Portugal as vozes incómodas não desaparecem fisicamente, evaporam-se psicologicamente. São despedidas, não arranjam emprego, começam a pensar com a barriga (muitas vezes quase vazia) e o passo seguinte é o silêncio, a morte-viva.

    Orlando Castro

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