Parabéns pai!
Afonso Loureiro
Uma das memórias mais antigas e fortes que tenho do meu pai é vê-lo a barbear-se. Gostava de o ver espalhar a espuma com o pincel e ver que ficava sempre com os lábios a aparecer no meio de uma cara toda branca. Hoje, quando me barbeava, lembrei-me desta imagem, com a janela da casa-de-banho aberta para o quintal e as folhas do limoeiro a espreitar. Faria hoje sessenta e um anos…
Um dia levou-me a conhecer o sítio onde tinha nascido e crescido, uma antiga casa senhorial da Rua São João da Praça. Foi no quarto do óculo, na esquina do edifício, com vista para o Tejo. Em frente à janela redonda que dava o nome ao quarto, ficava a litografia onde trabalhava o meu avô, que era gravador. O fogão a lenha dos meus avós era alimentado com as aparas do mogno que sobravam da litografia. Depois descemos uma rua inclinada e passámos por um arco para chegar ao Chafariz D’El-Rei.
Mais tarde, os meu avós mudaram-se e a casa ficou abandonada muitos anos. Graças à janela característica e a um cipreste que tinha crescido junto a um cunhal, a casa era um ponto de referência que marcava a fronteira entre Alfama e a Sé. De vez em quando cruzo-me com uma fotografia ou uma aguarela do quarto onde nasceu o meu pai numa qualquer exposição dedicada a Lisboa.
Na década de 1990, o velho palácio arruinado foi comprado e sofreu obras que o transformaram num condomínio privado. O cipreste foi cortado. O óculo foi fechado.
É através das recordações e das memórias que imortalizamos as pessoas que amamos.
Um beijo grande para ti!
🙁
O mundo não pára…