Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

30  03 2011

Para Inglês ler

Com uma estrutura simples, facilitadora da criação de neologismos de muito fácil compreensão, o Inglês tornou-se a língua técnica por excelência e, por poder ser mal falada e compreendida por quase todos, a ciência e os empresários de todo o mundo adoptaram-na como língua franca. Na verdade, a língua técnica deveria ser o Alemão, mecânico e exacto, mas difícil de falar bem, precisamente por não admitir muitas excepções à norma.

Para tarefas mais subtis, como na diplomacia, em que uma palavra mal compreendida ou com significados demasiado latos podem ditar a sorte de guerras e países, há outras línguas mais adequadas. Até à Grande Guerra, por exemplo, cabia ao Francês assegurar este serviço. Como os americanos não o dominavam, mas tiveram um papel de peso no desfecho da guerra, acabou por ser a sua língua a usada daí em diante para esta tarefa.

O Português, com a sua estrutura complicada e palavras que não existem em mais nenhuma língua, é língua de poetas, é a ferramenta delicada com que esculpem uma descrição do mundo sem que nele cheguem a falar. Não é mecânica nem se presta a neologismos fáceis, pois todos se parecem com acrescentos feios, marquises de alumínio em fachada de palácio. Perde em musicalidade para muitas, mas é de conceitos lindos.

Infelizmente, como povo, não gostamos dela. Fazemos os possíveis por a maltratar e menosprezar. À mínima oportunidade, trocamo-la por um estrangeirismo, trocamos palavras de ouro por grunhidos de plástico mal acabados. Está na moda ter lemas de empresa em Inglês, para parecer mais internacional, asseguram. Suspeito que na maioria das vezes seja apenas para armar ao fino.

Casa Fernando Pessoa
Casa Fernando Pessoa, mestre da língua

O Centro de Investigação Champalimaud, por exemplo, não escapa a esta febre e, na Avenida de Brasília, ostenta um letreiro em perfeito Inglês e também num ensurdecedoramente omisso Português.

O próprio Estado, que devia defender a língua, nem que fosse como símbolo de soberania, é o primeiro a esquecê-la. Entre especulação editorial disfarçada de acordo ortográfico e outras aventuras, proíbe a publicidade em língua estrangeira, mas é o primeiro a violar a proibição ao apresentar uma lista de nomes aprovados para a constituição de empresas por processo expedito pejada de nomes em Inglês, seguramente para compensar as barbaridades escritas em Português e se poder escolher o mal menor. O Instituto Nacional de Estatística, para todos poderem apreciar a magnífica internacionalidade da instituição, fez constar no canto superior direito de cada boletim dos censos deste ano um modesto «statistics portugal».

Até a minha companhia de seguros, portuguesa, foi incapaz de resistir a esta onda e, no recibo a apólice, toda escrita em Português, dirige-se a mim, cidadão Português, morador em Portugal, com um fantástico «Exmo. Senhor / Dear Sir». Se não é para armar ao pingarelho, é para quê?

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »