Estadulho
Afonso Loureiro
Cada vez mais me convenço que as palavras são seres vivos que vivem em simbiose connosco. Sem elas não funcionamos e sem nós elas desaparecem. Necessitam ser pensadas e pronunciadas para que cresçam e se multipliquem. Quando usadas, misturam-se umas nas outras e, se tivermos sorte, nascem novas palavras, com ideias frescas e conceitos inexplorados.
Pelo contrário, se forem caindo em desuso, estiolam-se e morrem esquecidas. Por vezes acontece serem palavras que vivem enraizadas em conceitos muito restritos ou associadas a actividades que sobrevivem apenas nos mais velhos, aqueles que se viram, sem escolha, na última geração de tradições seculares.
À medida que estas palavras perdem vigor, os dicionários reduzem-lhes os verbetes ao mínimo indispensável, emparelham-nas com conceitos mais gerais numa remissão displicente que costuma começar com «o mesmo que». Se fossem exactamente o mesmo não mereceriam ser palavras autónomas. Por falta de uso, a diferença específica perdeu-se.
Num dos melhores dicionários cá de casa, que poucas vezes me deixou ficar mal, é frequente encontrar destas palavras moribundas, presas ao passado. Ainda não estão enterradas na campa rasa d’«o mesmo que», mas as suas definições espartanas não lhes antevêem um futuro risonho.
Estadulho, palavra quase desconhecida para a minha geração, já soa a língua antiga, e custa a acreditar que há meio século poucos seriam os portugueses do interior que não soubessem o que era, como se fazia e para que servia.
Os estadulhos, também conhecidos por fueiros, são os paus finos que se encaixavam em buracos a toda a volta dos carros de bois e serviam para amparar a carga. Para além desta nobre função, a madeira rija e uma ponta aguçada transformavam-nos em armas que impunham respeito.
Para quem não conhece, um estadulho ou um varapau podem significar a mesma coisa, mas os conceitos e aplicações são diferentes.
Carro de bois com estadulhos
As palavras alimentam-se de imaginação e vivências. Se perderem uma delas, desaparecem. Os estadulhos desaparecerão com o último carro de bois.
Veja só: Pensei que o “estadulho” do título fosse algum derivado depreciativo da palavra “estado”, e o post tivesse a ver com a demissão do Sócrates ontem.
Não conhecia a palavra e gostei de ter aprendido algo mais.
Um abraço
Ao políticos que nos (des)governam apenas posso dizer que mereciam uma estadulhada…
Na minha zona, fueiro é o termo usado.
Plenamente de acordo em dar umas fueiradas nos nossos governates. Se a moda pega… industria de fueiros em alta e claro, os fueiros taxados com impostos especiais.