Que silêncio!
Afonso Loureiro
Já anteriormente tinha gabado a calma da cidade ao fim-de-semana. Luanda transfigura-se. Passa a ser uma pacata cidade de província, com pessoas a conversar às esquinas, sem buzinas ou ânimos exaltados atrás dos volantes.
Quando os feriados calham num Domingo, são gozados na Segunda-feira seguinte, pelo que os fins-de-semana prolongados até são frequentes. Hoje foi um desses dias.
Acordei particularmente repousado, sem o barulho das máquinas da obra perpétua que decorre debaixo da minha janela.
Virei-me de barriga para cima e pus-me a contar os carros que passavam. Eram poucos. Ao terceiro, desisti. Estava aborrecido. Resolvi fazer ronha. Virei-me para o lado e apreciei o silêncio. Passou uma mota barulhenta. Voltou o silêncio. Fui adormencendo.
Algum tempo depois, pareceu-me muito, mas deve ter sido apenas um fechar de olhos, fui acordado com uns estalidos. A porta da varanda, a apanhar com o Sol directamente, dilatava e reclamava. Voltei-me para o outro lado. Fiz cócegas aos lençóis com os dedos dos pés. Abracei o colchão, pendurando as mãos de fora da cama. Virei-me, rebolei, espreguicei-me. Lá em cima estava a armação da rede mosquiteira, velando por mim. Uma mancha vermelha na parede e outra na rede faziam a vez de memorial aos mártires da malária. Cocei a barriga e lembrei-me de Fausto. Comecei a trautear a música e adormeci.
Farto de ronha, procurei a abertura na rede. Levantei-me. Fui à janela. Nada. Nem os pássaros se viam. Só a roupa a acenar nos estendais denunciava haver ainda gente em Luanda.
Que silêncio!
Se nos habituamos ao corre corre citadino, estranhamos depois o silêncio, parece que a cidade perde a sua personalidade.
Nunca estamos contentes… se podemos ficar a descansar achamos que falta agitação, se vamos para o trabalho a agitação é muita…
Aproveita esses momentos de silêncio e de sossego.
Que dia bom! tiveste tempo de dar tempo ao tempo e apreciar os pequenos gestos que aconchegam os sentidos.
A propósito de sentidos, espero que estejam sempre despertos, para não haver nenhum memorial aos martirizados da malária.
Desejo que possas aproveitar, muitas vezes, o silêncio do silêncio.
Um silencioso, mas caloroso, abraço.