AAN e um haiku
Afonso Loureiro
Há muitos anos atrás, quando o boletim meteorológico não era apresentado por senhoras escolhidas a dedo pelos seus dotes de fazer boas poses em frente à câmara, mas sim por uns canastrões do Instituto de Meteorologia vestidos para um funeral, havia muito mais a dizer acerca do tempo que faria no dia seguinte.
Hoje em dia sabemos tudo quanto há para saber apenas com meia dúzia de símbolos meio infantis. Ora temos um Sol bem amarelinho e cheio de raios, ora temos umas nuvens fofinhas, ora temos uns risquinhos que tentam dizer que vai chover. Às vezes aparece um borrão que indica nevoeiro ou um cristal de neve. Acrescentam a isto, uns números aproximados das temperaturas máximas e mínimas. Todos sabemos que a máxima anunciada nunca é tão fresca e que a mínima será bem mais gélida. Temos de tentar adivinhar nós como será o dia seguinte. No fundo, é como adivinhar a lotaria apenas com a terminação.
Uma coisa de que me lembro muito bem é a sigla AAN, que costumava aparecer sobre o mapa do país por alturas do Natal. Deixem lá os números e os bonecos, isto sim, descreve bem o tempo. AAN – Acentuado Arrefecimento Nocturno!
Durante o dia, o frio até se suporta. Olhamos pela janela e vemos os pardais inchados, eriçando as penas por causa do frio. Os relvados fumegam e fazem desaparecer o horizonte numa neblina fina, que o Sol baixo não consegue penetrar.
Vemos o nosso bafo e brincamos um bocadinho aos combóios a vapor. Depois cansamo-nos e metemos as mãos nos bolsos. A história do nosso corpo, contada através de quedas e entorses, é-nos relembrada à custa de algumas dores aqui e ali. Começamos a compreender os mais velhos, que se queixam do tempo a mudar.
Mas chega a noite e o frio começa a fazer-se notar. É mais um casaco que se veste, é a cadeira que se aproxima um pouco da lareira. Começamos a desejar ter aproveitado melhor o Sol de Inverno, fraquinho, mas que sabe tão bem nas costas. Até merece um haiku!
Ouvindo um regato que murmura,
Com o Sol de Inverno nas costas.
Paraíso num momento!
Chegada a hora de deitar, percebemos o verdadeiro significado do AAN, quando nos despimos e tentamos entrar na cama à herói. Os lençóis, que nunca se queixam do tempo, parecem estar molhados, de tão frios que estão. A nossa entrada triunfante na cama, com vontade de nos esticarmos, acaba num cobarde tiritar em posição fetal. Os braços seguram os joelhos e expiramos para o peito. Teria sido tão mais sensato ligar o aquecimento umas horas antes… agora não vale a pena.
Acabamos por aquecer a cama e, lentamente, vamo-nos esticando até a ocuparmos toda. Adormecemos profundamente. Sonhamos com um AAN que queira dizer Acentuado Aquecimento Nocturno.
Mas já tinha saudades de um friozinho da Zona Temperada Setentrional. O calor dos trópicos aborrece-nos com a sua monotonia.
AAE, tambem conhecido por “calor esquisito” 🙂
Abraço.
Venha a monotonia do calor tropical! Bastou uma semana e picos do clima temperado (com vinagre azedo, certamente…) para eu e a Paula juntarmos febre, tosse e espirros às nossas férias. Que rico descanso… 🙁
Até 4ª de manhã! 😉