Hora da sesta
Afonso Loureiro
Morar com vista para uma das artérias mais movimentadas de Luanda não é sorte que inveje a ninguém. É muito bonito ver os carros parados debaixo da janela, com os rapazes a zungar desodorizantes e pilhas e as mulheres a gritar «Quem quer Carapau ê?».
Só que, passada a hora de ponta, quem quer atravessar a cidade para ir para a farra, lá na Ilha ou noutros sítios onde fazem farras, tem de passar aqui. E nunca passam devagar. Até mesmo os pesados, proibidos de circular nesta parte da cidade, fazem de conta que o escuro da noite esconde o sinal à entrada da rua e dão uma corridinha até à marginal, com as caixas de carga a bater a cada solavanco. A recolha do lixo também é feita depois da meia-noite, o que ajuda a manter a falta de sono em dia.
Este primeiro andar é um Calvário!
Lá mais para a noitinha, especialmente ao fim-de-semana, gente animada pára os carros na rua e abre as portas para que todos possam ouvir a música que insistem em partilhar com os moradores. Se não são estes, são as corridas à volta do quarteirão com a mota de escape livre. Felizmente que os alarmes que disparavam com barulhos altos já avariaram todos. Ou então deixei de os ouvir.
De manhã, com toda a gente afogueada para chegar ao trabalho, o coro de buzinas quase faz lembrar as cigarras. Também é difícil dormir debaixo de uma árvore que tenha cigarras…
Como as noites não são muito repousantes, habituei-me a uma pequena sesta ao final do dia. Começou por ser uma necessidade, mas agora é parte da rotina. Aproveito o único período verdadeiramente descansado, das cinco, quando chego a casa, às oito, quando começam a chegar os primeiros carros com música alta.
Não sei porquê, mas o cansaço dos condutores torna-os um pouco mais tolerantes com os demais e as buzinas soam menos.
Em França, o período das cinco às sete é conhecido como a hora dos amantes. Para mim, em Angola, é apenas a hora da sesta.
Em Luanda vivi sempre em zonas relativamente calmas. E quando não tinha aulas de tarde que bem me sabia a hora da sesta! Mas barulho pior do que as buzinas e as discotecas ambulantes, era mesmo o barulho do gerador. Com esse ligado nunca conseguia passar pelas brasas!