A despedida do Herói
Afonso Loureiro
Este ano tem sido cruel para as minhas figuras de referência. A idade também pesa nos ombros dos heróis e não há eternidade merecida que compense a efemeridade do corpo.
No princípio de Dezembro morreu um dos Heróis de Portugal em África. Não esteve lá, ao contrário de muitos outros, a defender cinco séculos de História com armas e farda, mas nem por isso foi menos bravo.
O Engenheiro Frias de Barros foi, para gerações de engenheiros geógrafos, uma figura de referência, o ideal do que era ser, verdadeiramente, um engenheiro geógrafo. Ensinava não só pelos conhecimentos teóricos, mas também pela imensa experiência de campo.
Todos os seus alunos se recordam dos exames orais no final do semestre, em que nunca se chumbava mas, se a matéria não estivesse bem sabida, se marcava um novo exame para a semana seguinte. Só se passava depois de saber. Os bons professores medem-se não pela quantidade de alunos que reprovam, mas pela quantidade de alunos que de facto aprendem.
Começou a sua carreira em Macau. Acabado de sair do curso e sem experiência de campo, foi incumbido da missão de observar e calcular latitudes e longitudes astronómicas para a determinação de pontos de Laplace (uma coisa esotérica que só os engenheiros geógrafos apreciam). Aprendeu por si métodos práticos que refinou e ensinou às gerações seguintes. Nasceu não só para ser engenheiro e resolver problemas, mas também para ensinar.
De 1958 até 1975, enquadrado na Missão Geodésica de Angola, passou seis meses de cada ano em Angola, longe da família e dos confortos da civilização, percorrendo os extremos do território naquela que foi a última grande campanha geodésica do mundo. Durante meio ano observava triângulações e no meio ano restante, em Lisboa, tratava e calculava os dados recolhidos, tendo sido um dos pioneiros na utilização de computadores em Portugal, na década de 1960.
A sua experiência no cálculo destas redes revelava-se quando fazia cálculos aritméticos em base sexagesimal com a mesma facilidade com que os fazemos na base decimal, coisa que nos deixava sempre espantados.
Com a revolução de 1974 foi traído e esquecido pela História. Tornou-se guardião do tesouro que são os dados das redes geodésicas ultramarinas, numa instituição que, por ter um nome associado ao passado colonial português, foi também ela quase esquecida.
Foi herói merecedor das odes dos poetas e de constar nas epopeias que ainda se hão-de escrever. A sua memória perdura nas gerações de engenheiros geógrafos que formou e será, para todos eles, o verdadeiro Professor.
E sei que todos eles se recordarão das alturas em que interrompia a lição e dizia, com o seu sotaque algarvio “Isso tem muita história…”, antes de contar mais um episódio de uma vida aventurosa.
Durante dezassete anos usou vários teodolitos. Aproveitei uma visita ao Instituto Geográfico e Cadastral de Angola para fotografar um dos instrumentos que talvez tenha passado pelas mãos deste herói.
O seu instrumento de eleição
Presto-lhe esta singela homenagem, na tal da internet que lhe acabou por substituir os almanaques que tanto amava, porque não vou já a tempo de lhe contar as minhas aventuras pessoalmente.
Adeus Engenheiro…. 🙁
“Isso é das aventuras, menino!!!”
É e será sempre uma referência. Que descanse em paz.
Só quem com ele privou de perto sabe o quão verdadeiro é este artigo. Tive o privilégio de ser sua aluna, na cadeira de Astronomia Geodésica, e não raras vezes tive que confirmar manualmente os resultados que obtinha com a calculadora.
Vai deixar gerações inteiras com saudade.
Há pessoas que conseguem atingir a imortalidade nas memórias daqueles com quem privaram. O Eng.º Frias de Barros é uma delas.
Além de seu aluno, tenho o orgulho de usar também o seu nome. Coincidência ou não, foi um previlégio ainda maior, que em subtis contornos me envaideceu e me deixa mais ligado a ele. Sorte minha!