Esquivas e m’baias
Afonso Loureiro
As ruas de Luanda têm um colorido próprio, emprestado em partes iguais pelo pó vermelho da terra e pelo azul e branco dos candongueiros, que representam uma grande parte do trânsito da cidade.
O seu número exacto é desconhecido, embora as autoridades confirmem quatro mil licenças válidas e estimem que haja mais três dezenas de milhar de carrinhas a operar ilegalmente. As estimativas são fundamentadas no número de apreensões de documentos e veículos ao longo de alguns meses.
Há vários factores que influenciam a exactidão destes números. O principal dos quais é a corrupção, que pode levar a que algumas multas não revertam a favor do Estado, mas permitam que se chegue a um entendimento entre o agente da polícia e o taxista. O facto de algumas frotas serem propriedade de polícias também deverá contribuir para que se feche os olhos a uma ou outra carrinha suplementar que se adicione às que têm licença.
Cópias perfeitas, quase clones uns dos outros
Há uns meses as frotas de autocarros foram renovadas com algumas centenas de veículos. Instalaram-se abrigos nas paragens e começou-se a correr com os táxis ilegais do centro de Luanda para incentivar o uso dos machibombos. Apesar dos esforços, ainda há uns quantos resistentes que prestam serviço mesmo sem a documentação necessária. Passou a ser mais difícil, mas não impossível, trabalhar sem licença no centro da cidade.
Talvez tenha documentos
A fuga ao controlo de documentos não é motivada apenas pela incúria ou corrupção dos agentes fiscalizadores. Cada taxista exercita permanentemente um sexto sentido para detectar operações policiais e encontrar caminhos alternativos capazes de permitir cumprir a rota e manter a viabilidade económica do negócio, isto é, não danificar a viatura, transportar passageiros pagantes a cada viagem e fazer um número mínimo de percursos que paguem o combustível e a parte do patrão no final do dia.
Transportam gente
Quando começamos a ver muitas iáces a circular em contra-mão ou a fazer manobras ainda mais inacreditáveis que o costume, as famosas m’baias, é sinal que no próximo cruzamento há polícias a pedir os documentos. As ruas e picadas paralelas, que habitualmente nem sequer têm trânsito digno desse nome, passam a estar ocupadas de cabo a rabo com carrinhas azuis e brancas, que se afundam alternadamente nos charcos escuros.
Apenas os menos experientes ou verdadeiramente seguros da sua legalidade ou imunidade são vistos na rota habitual. Os restantes farão o desvio que lhe poupará o prejuízo da imobilização, da multa ou da gasosa.
E eles também
Se tudo isto for encarado como um jogo de gato e rato, poderá ter a sua piada, mas a verdade é que há muito mais por detrás das esquivas dos candongueiros. À luz da Lei os candongueiros estão ilegais. Por outro lado, são essenciais à cidade, e a Lei, que devia ser igual para todos, costuma ser subvertida em proveito de quem ter a obrigação de a aplicar, de tal forma que quem se sente explorado procura formas de o evitar.
A solução não é perfeita, mas enquanto não se encontrarem alternativas para os transportes ou para os setenta mil empregos gerados pelos candongueiros ilegais, esta é a que existe e as esquivas fazem parte dela.
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