A conspiração dos passaportes perdidos
Afonso Loureiro
Um fenómeno misterioso envolve os passaportes chineses em Angola que, segundo os anúncios publicados no jornal, desaparecem às mãos cheias ou são perdidos na via pública.
Muitas explicações têm sido adiantadas para justificar estes desaparecimentos, algumas das quais apontam para esquemas de emigração ilegal de chineses para Angola utilizando os vistos válidos dos passaportes declarados perdidos e partindo do princípio de que os chineses são todos iguais aos olhos dos fiscais nas fronteiras. O esquema começaria pela declaração de perda do documento, o que justificaria a emissão de uma segunda via do visto, legalizando novamente o portador do passaporte desaparecido. O seu passaporte seria enviado para a China onde outra pessoa o utilizaria para voltar a entrar em Angola. Em teoria, este esquema em cadeia podia funcionar perpetuamente, uma vez que a validação dos vistos nas fronteiras era feita visualmente.
Obra chinesa
Desde que o controlo passou a ser feito por via electrónica, esquemas deste tipo passaram a ser mais difíceis, senão mesmo impossíveis. As entradas e saídas de cada visto e passaporte são comunicadas directamente aos serviços de estrangeiros e não apenas confirmadas com o carimbo respectivo.
A verdade é bem menos poética do que se poderia desconfiar. Os passaportes dos trabalhadores chineses estão entregues ao capataz de cada obra, que se reconhece facilmente por ser o único que não anda de fato-macaco e que acompanha os trabalhadores nos autocarros com um molho de passaportes amarrados com um elástico. Assim, quando se perde um, perdem-se todos. Como os chineses são dos poucos que publicam anúncios esperando que alguém lhes encontre e devolva os passaportes, vão surgindo teorias de conspiração para explicar o desaparecimento de tão grande número de documentos.
Uma das razões que leva a que se acredite na existência destas manobras de emigração ilegal é a imensa desconfiança, quase a roçar a paranóia, que Angola tem dos estrangeiros. Se alguém perde um passaporte na rua, de certeza que é para lesar o país ou para roubar os angolanos, e a melhor conspiração é aquela que não se consegue provar.
Curiosamente, desde que os vistos passaram a ser controlados por computador, o número de passaportes chineses perdidos diminuiu consideravelmente. Antes que este facto reforce a teoria da conspiração, é preciso acrescentar que as obras públicas pararam em Angola mais ou menos pela mesma altura e o número de chineses no país também se reduziu.
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