Aerograma

A angolanidade pode-se definir de muitas maneiras, mas talvez o domínio da estiga seja um bom começo. A estiga é o dito jocoso, quase caricatura falada que todos reconhecem o alvo ou acham a invenção apropriada. Os bons estigadores têm sempre resposta pronta e, pegando na estiga que lhes dirigem, devolvem-na com mestria, saindo airosamente na mó de cima. Ganha quem deixar o adversário sem palavras ou perdido de riso e estas coisas são ainda melhores num grande grupo de amigos.

Na última sessão de estiga a que assisti, porque ainda não tenho categoria para participar, houve alturas memoráveis, em que até os visados se desmancharam a rir, como quando o Didi fez a mímica certa, com gestos grandes e teatrais, e disse:

«Lembram-se quando o Zambi escorregava pelo monte abaixo? Aquilo não era brincadeira, era a única maneira de coçar a sarna que tinha nas costas!»

Já me estigaram…

A única regra que todos respeitam é a de não estigar os ausentes. A estiga só é lícita se tiver direito de resposta. Se alguém começa a brincar com quem não está, todos se calam e fecham a cara. É feio estigar sem ser cara-a-cara.

A estiga surge nos momentos mais inesperados. O mais tímido do grupo, sempre caladinho a um canto e rindo baixinho para não darem por ele, viu-se no centro das atenções quando alguém disse «Silêncio, que agora é a vez do Nelson falar!». O rapaz não sabia o que havia de dizer e olhou para os lados na esperança de que houvesse lá um xará, mas não havia. Lá se encheu de coragem e encheu o peito de ar, mas este instante de hesitação foi o suficiente para que alguém anunciasse «Um minuto de silêncio!» e todos soltassem gargalhadas sonoras.