Com tanto canastrão por aí…
Afonso Loureiro
São sempre as pessoas que nos marcam que mais falta nos fazem quando desaparecem. As que nada nos dizem, ou com as quais não nos identificamos, podem sair de cena com um estardalhaço descomunal, mas não será por isso que nos marcam. Depois há outras que saem de fininho, mas que nos deixam um vazio difícil de preencher. São aquelas que nos ajudaram a crescer de uma forma ou de outra. Algumas fazem parte do nosso círculo mais próximo, de família e amigos, mas há desconhecidos que também cumprem o seu papel a moldar quem somos. «Os bons partem sempre primeiro» diz o provérbio, porque dos maus não queremos saber.
Morreu António Feio, um actor que prestigia a profissão e um encenador cujo trabalho sempre apreciei. Porque de cancros pancreáticos há poucos sobreviventes, a condecoração que recebeu no princípio do ano foi uma espécie de homenagem póstuma ainda em vida, à boa maneira portuguesa, de só dar valor às pessoas depois de partirem.
Com tanto canastrão a ganhar a vida como actor, porque tinha de morrer um dos bons? Das várias peças em que o vi, nunca me apercebi que as personagens fossem o António Feio. Tinham a cara dele, mas as semelhanças ficavam-se por aí. Não era o António Feio a fazer de. Era a personagem interpretada pelo actor.
Saíu de fininho, sem passar cavaco a ninguém. Um dia estava vivo, no outro doente, no seguinte longe das notícias e depois soube-se que morreu. Aproveitou a vida, garantiu uma vez.
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