Chulipas, creosote e tire-fonds
Afonso Loureiro
Cresci perto de uma linha de caminho-de-ferro movimentada, com os combóios a fazer parte da vida desde pequeno. Das memórias mais antigas que tenho, é estar na estação de Torre da Gadanha, perto de Montemor-o-Novo. A fazer o quê só sei o que me contam, mas o certo é que já lá voltei e de imediato reconheci os cheiros da infância.
O creosote com que se impregnam as chulipas tem um cheiro característico, a que associo sempre aos combóios. Tal como o barulho que o balastro faz quando se caminha na linha, com as pedras a ajeitarem-se sob o nosso peso.
Tire-fonds na estação de Vale do Peso, Crato
Hoje em dia, as chulipas de madeira, corruptela fonética de sleeper, estão a ser substituídas por dormentes de betão, de mais fácil manutenção e mais adequados às velocidades elevadas dos combóios modernos. Aliás, de há uns anos para cá, a tecnologia ferroviária evoluiu muito e quase se pode dizer que a única coisa que se manteve foi o facto de os combóios ainda circularem sobre carris.
As travessas de madeira não perderam totalmente o seu préstimo, porque ainda são indispensáveis, pela sua flexibilidade e adaptabilidade, na montagem de aparelhos de mudança de linha.
Perdeu-se o cheiro e os tire-fonds, porque agora usam-se porcas e pernos roscados, mas ficou o barulho do balastro e a magnífica cor da ferrugem dos carris.
O meu bisavó José Pereira Garrido ensinava a montar as Chulipas na construção das linhas férreas portuguesas no ramo Oeste- (Malveira). Sempre estive interessado em saber mais alguma coisa, não sabia do cheiro característico. Muito obrigada por compartilhar as suas memorias.