Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

24  08 2010

Estradas a mais, destinos a menos

O actual modelo de desenvolvimento das infra-estruturas rodoviárias está deturpado. As estradas fazem-se para contentar empreiteiros e não para servir populações. Como as estradas secundárias são baratas, investe-se em vias rápidas, com muitas faixas para deixar os vendedores de betuminoso felizes, com muitos rails e reflectores e plaquinhas a cada dois passos, para deixar também os vendedores e importadores satisfeitos. Se se conseguir que a estrada passe pelo meio de dois ou três montes, quem ganha a vida nos movimentos de terras esfrega as mãos de contente. Pelo meio, está na moda colocar umas portagens, não para pagar a estrada, mas para sustentar a empresa a quem se atribui a concessão de exploração.

As estradas antigas ficaram saturadas devido à crescente pressão imobiliária. Chega a um ponto em que as casas novas perdem valor porque ninguém quer passar metade do dia em engarrafamentos. Ao alargar e construir estradas novas, este inconveniente desaparece, tornando apetecível a criação de novas urbanizações com índices de construção obscenos, que depressa saturarão até as estradas novas, levando a que se tenha de planear outras e alimentando a pescadinha-de-rabo-na-boca.

Estradas novas
Em cada canto uma estrada

Como o espaço entre os aglomerados populacionais começa a faltar, encaixam-se estradas nos últimos corredores verdes, tornando a paisagem numa sucessão monótona de estradas e urbanizações. Para além do mais, como o planeamento é feito sempre em função do automóvel, as vias rápidas acabam por estrangular as terras, das quais passa a ser quase impossível sair a pé ou de bicicleta. Os caminhos perdem a dimensão humana e tornam-se paredes só passíveis de ser transpostas dentro da jaula com rodas.

Entre vias-rápidas, nós de ligação, circulares, variantes, acessos directos e viadutos, começam a faltar os destinos e a paisagem. Mas parece que o importante das viagens é o percurso e não o fim, a acreditar na filosofia chinesa que rege a civilização do automóvel. Se calhar, o ideal era toda a gente comprar uma autocaravana e passar a viver exclusivamente na estrada.

Que pensarão os nossos descendentes ao olhar para uma paisagem totalmente descaracterizada em prol de uma máquina?

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Estradas a mais, destinos a menos”

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  1. Oi, Afonso
    Em junho estive em Portugal, e a-d-o-r-e-i as estradas, tanto as auto-estradas quanto as secundárias. Essas últimas, claro, levam a vantagem da “dimensão humana”. Bem conservadas, bem sinalizadas, muito diferentes das daqui.
    E muitas opções para qualquer trajeto, verdade seja dita.
    Quanto à escassez de destinos… não tem jeito, né? Portugal é tão pequenininho…

    Mas o que é uma “pescadinha-de-rabo-na-boca”?

  2. A pescadinha-de-rabo-na-boca é um prato de pescada frita, mas que é enrolada e se prende a cauda do peixe na boca do mesmo. A expressão usa-se quando se quer exprimir um ciclo vicioso. Uma pesquisa de receitas deve resultar nalgumas imagens.

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