O Inferno Português
Afonso Loureiro
Com a crise, as medidas de austeridade e a discussão de Orçamentos de Estado na ordem do dia, há quem diga que a vida se vai tornar num inferno. Pelo andar da carruagem, até é capaz de ser uma melhoria. Afinal de contas, estamos a falar de Portugal, onde nada parece ser levado a sério. Se calhar é do clima, mas o certo é que as coisas se vão desenrascando e daí não se passa.
À semelhança dos Infernos das anedotas que envolvem personagens de várias nacionalidades, o Inferno Português seria, pelo menos em papel, algo terrível, como nunca antes visto em lado algum mas, na prática, acaba por ser bastante confortável. É uma tradição de muitos séculos, que remonta, pelo menos, ao reinado de D. Dinis, quando a Ordem do Templo foi extinta, mas acabou por só mudar de nome.
Voltemos ao hipotético Inferno Português, também conhecido como o mais Infernal Inferno do Mundo e Arredores – IIMA, para abreviar. Para assegurar uma verdadeira infernalidade deste novo inferno, seguramente se nomearia uma comissão ou duas para redigir um caderno de encargos digno de Mefistófeles, muito provavelmente escrito com o sangue de dúzia e meia de virgens – contratadas por concurso público internacional, seguindo directivas comunitárias. As sucessivas revisões do caderno de encargos estipulariam torturas cada vez mais elaboradas, como nunca antes vistas ou até mesmo sonhadas no mundo civilizado. Fariam parte dos cartazes de apresentação as mais quentes labaredas dos infernos, os diabos com os cornos mais afiados, as chicotadas aplicadas com mais vigor, os torcionários mais sádicos e, acima de tudo, a incomparável qualidade dos acabamentos das suites privadas dos quadros dirigentes do Inferno, com janelas panorâmicas para as piscinas de lava e piri-piri.
A concurso público iriam os projectos das empresas de construção civil e consultoria dirigidas por antigos ministros, e seria seleccionado o mais caro ou o que garantisse mais hipóteses de integração na vice-presidência do conselho de administração da empresa de grande parte dos elementos do júri.
O Inferno, propriamente dito, seria construído pelo Estado, a expensas da Fazenda Pública e, assim que terminado, estabelecer-se-ia uma parceria público-privada para a sua gestão, em que o Estado arcasse com as despesas, atribuísse uma indemnização compensatória pela exploração do espaço e a empresa privada ficasse com os lucros, como vem sendo costume nestes casos.
O Diabo, essa figura central do Inferno, seria, também ele, um antigo ministro, actualmente auferindo uma principesca reforma de um banco estatal que acumularia com um chorudo vencimento e carro com motorista. Seria auxiliado na sua desagradável tarefa de torturar as almas por um verdadeiro cortejo de diabretes sorridentes, todos eles ligados às máquinas partidárias.
Até aqui, este Inferno promete ser o melhor do mundo, ou o pior, dependendo do ponto de vista, mas é preciso não esquecer que se trata de um Inferno Português. Com o Estado falido, não haverá verba para pagar o aquecimento das piscinas de lava e não será, seguramente, a gestão privada a adiantar dinheiro do seu bolso. Aliás, caso não sejam pagas as indemnizações compensatórias pela prestação de serviço público infernal, os chicotes e a roda nem sequer sairão dos armários.
Finalmente, o Diabo, que goza de isenção de horário, aproveita as despesas de representação ilimitadas e muda-se para o Paraíso enquanto metade dos diabretes aparece pela manhã, assina o livro de ponto e só volta no dia seguinte. A metade restante mete baixa invocando motivos psiquiátricos, por não se sentirem bem com o pranto dos condenados ou desgostarem da ementa da cantina.
Aos condenados resta apenas chicotearem-se uns aos outros, porque alguém tem de fazer o trabalho.
Muito Bom!! Daria uma excelente curta…
De D. Dinis ainda nos sobrou o pinhal, dos actuais nem a terra para plantar!!
Gostei imenso. Parabéns