Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

21  11 2011

Santo António de PVC

Temos um vizinho que tem um carro merdoso todo artilhado – o famoso xuning. Julga que anda mais por causa dos plásticos a imitar cromados que comprou no supermercado ou pelos tapetes vermelhos que dizem «Racing». Pelo menos ainda não teve dinheiro para comprar um escape barulhento. Mas sempre que o vejo de volta do carro pergunto-me quando virá o Santo António de PVC. Para explicar o que é, nada como uma curta história que começa na margem mais distante do Atlântico e me foi contada em paragens igualmente longínquas.

Consta que na época em que o Ayrton Senna começou a achar interessante ver corridas de automóveis, já os brasileiros eram doidos por isso e tinham um campeonato de turismo particularmente renhido.

Como não havia tantos patrocínios ou pilotos profissionais como há hoje, quase todos corriam com os carros do dia-a-dia ou com modificações mínimas. Mesmo assim, as preparações resumiam-se ao motor ou outros componentes que pudessem fazer o carro andar mais depressa ou comportar-se melhor e não sobrava dinheiro para a segurança. Os acidentes a alta velocidade sucediam-se e um capotanço significava uma morte quase certa do piloto.

Avisadamente, as organizações começaram a exigir que os carros fossem equipados com barras de segurança que impedissem o esmagamento do piloto. Sem elas, não podiam correr. Curiosamente, do outro lado do Atlântico costumam chamar a essa gaiola Santo António, talvez por salvar vidas.

Os pilotos que já estavam apertados de dinheiro não podiam comportar a despesa de fabricar ou comprar uma gaiola de segurança, mas nem por isso queriam desistir de competir. Era apenas questão de conseguir contornar o regulamento com o mínimo de investimento. Essa solução apareceu mais depressa do que se julgava.

Em breve, um mais habilidoso resolveu comprar tubos de PVC com um diâmetro próximo do dos tubos de aço usados nas gaiolas dos profissionais e, com alguma perícia, umas horas de paciência e um pouco de cola de PVC, montou uma estrutura com a mesma forma dentro do carro. Parecia mesmo um Santo António. Só a cor cinzenta e as ligações destoavam, mas nada que um pouco betume e alguma tinta preta não resolvessem.

A inovação foi passando de boca em boca e grande parte dos pilotos que estavam afastados das corridas por falta do Santo António regulamentar começaram a aparecer. Os inspectores olhavam para dentro do carro e viam uma estrutura de aspecto sólido montada nos sítios devidos. Não perdiam tempo a aprovar o carro para a corrida.

Todos estavam contentes, os pilotos especialmente, porque com um Santo António de plástico tinham a vantagem do peso reduzido em relação aos profissionais, com estruturas mais pesadas. As organizações sorriam porque tinham agora todos os pilotos a correm com mais segurança e um campeonato mais disputado.

A felicidade durou até ao primeiro acidente e se descobriu que os novíssimos Santos Antónios se partiam como se feitos de plástico. As inspecções aos equipamentos de segurança passaram a incluir um pouco mais do que um relance.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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