Índios, quase-índios, favelados e outras castas do Brasil
Afonso Loureiro
Segundo me foi dado a perceber, no Brasil há um sistema de castas não oficial. A hierarquia é simples, tem apenas dois níveis: o de cima e o de baixo.
No nível de cima estão os ricos, uma classe com rendimentos estratosféricos quando comparados com os demais. Dizem os entendidos que se reconhecem por usarem meias quando não estão a passear de helicóptero.
O nivel baixo divide-se em citadinos de classe média, que olham com desdém para os que lhes estão mais abaixo, e os outros, que ora invejam os citadinos, ora os ignoram majestaticamente. Os favelados são os que invejam a classe média, nem que seja pelas horas a menos que perdem a caminho dos empregos. Os do centro da cidade abusam desta mão-de-obra baratíssima, mas desconfiam deles, talvez porque sempre ouviram dizer que nas favelas só há ladrões e traficantes.
As classes do nível inferior englobam-se todas na categoria de pobre, porque a classe média, apesar de pensar que se destaca dos pobres, nunca chegará a entrar na categoria superior, nem que seja pela falta do helicóptero ao lado da piscina ou por algumas centenas de milhar de cabeças de gado a menos. Reconhecem-se porque nem sempre andam só de chinelos.
Fora das cidades, o panorama muda apenas por são todos pobres. E, aos olhos dos citadinos, todo o camponês, ou por extensão, quem não viva na cidade, é quase índio. Os índios vivem na mata, a gente civilizada vive na cidade, quem não mora na mata nem na cidade é quase índio, nunca quase civilizado, por estranho que pareça.
Mesmo não o sendo de facto, os pequenos agricultores que vivem isolados, analfabetos em vários graus, que não se misturam quando vão à cidade a largos intervalos e que se escondem atrás da casa quando se aproximam forasteiros, ganham de imediato o estatuto de índio. Não são índios de verdade, porque esses têm uma categoria à parte que lhes garante inimputabilidade dentro das reservas (o que assusta de morte os forasteiros), mas a quase reclusão e a distância ao mundo dito civilizado implica que na cidade os vejam como selvagens.
Um quase-índio
O quase-índio beneficia do programa de electrificação rural e, nas zonas áridas, das cisternas instaladas ao lado da casa para recolher água da chuva. Tem uma casa com paredes de adobe ou de taipa, com uma cortina a fazer de porta. Fala com o sotaque carregado de quem não tem hábito de falar com forasteiros, difícil de entender, mesmo para quem viva na cidade mais próxima. Bebe quase mais cachaça do que cerveja, pelo simples motivo de que a cachaça não precisa de estar fresca para se beber. Come coisas estranhas, que deixam os citadinos com cara de enjôo. Julga-se feliz, como a ceifeira que canta.
Todas estas castas têm hábitos e culturas muito diferentes, embora a novela das sete e o futebol os una umbilicalmente.
Deixe uma resposta
Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.