Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

12 2008

Cinderela eléctrica

Ao fim de algumas semanas de relativa estabilidade no fornecimento eléctrico, a luz voltou a faltar. Era Sábado de manhã, como de costume. Voltou lá para a noitinha, como de costume.

Como só tem faltado quando estamos a trabalhar, apenas os mostradores dos aparelhos a piscar denunciam a sua falta de comparência durante as horas de expediente. Temos tido uns serões confortáveis, com computadores e máquinas de ar condicionado a funcionar em sintonia com o frigorífico.

Tudo parecia correr bem, até ao fatídico Sábado. Já habituados a não ligar o gerador só porque sim, que a luz volta daqui a uns minutos. Desta vez não voltou tão depressa. Passada a hora do pequeno-almoço, resolvemos ir dar ao botão para ligar o gerador. O micro-ondas precisava de trabalhar.

Accionamos o circuito de socorro e baixamos a pequena alavanca que faz acordar o gerador. Uns segundos depois, o testemunho de tensão na rede deveria ter-se acendido com um ligeiro tremeluzir. Não acendeu, ou então o tremeluzir era uma espécie de tremescurecer.

Toca a descer as escadas, abrir a jaula do animal feroz que é o gerador. Está sempre de asas abertas, ameaçador. Na verdade, a gaiola onde está enfiado é demasiado pequena para que se consigam abrir as portas de acesso ao motor e foi lá instalado com ambas abertas para se encher tudo de pó.

Levanto a cobertura do painel e tento o arranque manual. Nada. Faço o pré-aquecimento das velas. A luz vermelha acende, mas vai esmorecendo. Carrego outra vez no arranque. Nada. Passo os dedos nos instrumentos, abrindo uns sulcos fundos na camada de pó que os esconde. Encontro o voltímetro que mede a tensão da bateria de arranque. Ligo-o. Menos de oito volts. Mau sinal. O gerador não arranca sozinho. Procuro um eventual arranque manual, mas sem grande esperança. Ao fim de duas voltas à máquina, concluo que não existe nenhum. Temos de esperar que volte a electricidade.

Fomos tão poupadinhos com o gerador que acabou por ficar com a bateria descarregada… Quer-me parecer que o desperdício de recursos é a lei nesta terra. Mesmo que não precises, liga a porcaria do gerador!

Umas noites depois, descobri que a electricidade de Luanda às vezes faz de Gata Borralheira. Exactamente ao bater da meia-noite a luz falhou. Não chegou a ir-se completamente, mas foi o suficiente para que a maioria dos aparelhos se desligassem. Uma subtensão que desligou as lâmpadas fluorescentes, o modem e o ar condicionado. Uma lâmpada de halogéneo manteve-se, heroicamente, a iluminar o escritório. A sua luz alaranjada, próxima da cor das abóboras, quebrava o breu. «Virou abóbora», pensei.

Alguns minutos depois, alguém achou o pé para o sapatinho perdido. A electricidade voltou!

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Cinderela eléctrica”

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  1. isso é que é aventura! tudo se passa por aí. Assim não fosse, pouco ficaria para contar.
    saudações

    Abraço

    http://coresemtonsdecinza.blogspot.com

  2. …se por aí fizesse o frio que se tem feito sentir aqui pelo norte de Portugal, então é que seria o “cabo dos trabalhos”… a cinderela ficava com pé de cristal(de gelo)!

    Boa noite e bom trabalho!

    Maria

  3. Num país supostamente com mais recursos e oportunidades, recebi hoje um mail que dizia “a iluminação da sala técnica explodiu”.
    Fui de imediato ao local, pensando encontrar feridos graves, paredes e equipamentos destruídos, destroços diversos, mas não, só encontrei um disjuntor disparado. Que desilusão!
    Por aqui tambem tenho abóboras, mas estas sabem mandar mails…

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