Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

05 2009

Hoje não se trabalha

Os estrangeiros que vêm trabalhar para Angola, geralmente para desempenhar funções para as quais ainda não há angolanos suficientes, mas não só, que já vi chineses a varrer ruas de Luanda, deparam-se com uma realidade muito para lá do que alguma vez tenham imaginado.

Todos eles sabiam que o ritmo do trabalho é diferente. Vêm preparados para esperar uma semana por uma tarefa que demoraria um dia, se tudo corresse mal. Acabam por ficar essa semana, e mais duas, à espera de um qualquer detalhe fundamental que só poderá ser resolvido por alguém que faltou ou que não se consegue encontrar. Depois disso, há mais três ou quatro coisas que fazem a engrenagem emperrar. O choque é grande, mas só acontece uma mão-cheia de vezes. Num instante se habituam a estabelecer metas mais flexíveis e não pensar muito nos prazos. Há-de ser feito. Talvez.

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A caminho do trabalho

Por todo o lado se ouvem histórias de trabalhadores que só vão em dias alternados ao serviço e parecem não se preocupar muito com o assunto. Encaram aquilo como um emprego, que o trabalho faz mal.

Esta situação poderá parecer algo de anormal, quando se sabe que os ordenados são muito baixos e o custo de vida, mesmo para os angolanos, é alto. O que não está imediatamente à vista é que, nalguns casos, compensa muito mais não trabalhar do que ter a chatice de ir ao serviço fazer coisas aborrecidas.

Obviamente que há excepções. Nem todos os angolanos são assim, felizmente. Mas os cumpridores e zelosos do seu trabalho passam despercebidos no meio dos outros todos, que até devem ser menos.

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Na varanda

Não há alojamento nem para uma ínfima parte dos expatriados que cá vivem. As empresas mantém quartos de hotel arrendados ao ano e montam casas para os seus empregados. A maioria não se socorre dos condomínios milionários da Talatona, mas sim de andares e vivendas no caroço da cidade. Estas casas não estão desocupadas, até porque semelhante conceito não existem em Luanda. O prédio pode não ter paredes nem tecto, mas é certo que lá habita alguém.

A solução que se encontra é arrendar as casas a quem lá vive que, com o dinheiro da renda, vai morar para a periferia ou, como acontece nalguns casos, constrói um anexo no quintal e passa a viver lá.

A lei da oferta e da procura dita preços exorbitantes para as rendas, ao nível de metrópoles como Nova Iorque, Paris ou Londres, mas sem o resto das condições ou charme. As rendas são pagas anualmente, uma vez que todos os angolanos desconfiam de caloteiros. Largas dezenas de milhar de dólares trocam de mãos e trabalhar passa a ser uma actividade supérflua. Que hei-de eu pensar quando o senhorio, que agora vive num anexo improvisado com uns toldos, lá nas traseiras, recebe de renda mais do que os ordenados anuais de todos os seguranças que temos à porta? Haverá algum incentivo para ir ao serviço?

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Mal pagos

Se a casa não estiver em condições, o problema é do inquilino. Se quer água na casa-de-banho e o cano está roto, que trate de o arranjar. Quando vagar a casa, a bemfeitoria já está feita e o senhorio pode até cobrar uma renda mais elevada.

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Quer ir de elevador, arranje-o!

Um grande monte de notas nas mãos de quem não está habituado e ver muito dinheiro pode deslumbrar. Se antes de arrendar a casa era preciso contar os tostões porque a vida não era fácil, depois de mudar para uma casa de chapa na periferia, a vida volta ao que era, mas agora sem dinheiro para a comida e, especialmente, a gasolina do Land Cruiser novo. No ano seguinte virá mais dinheiro…

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O Land Cruiser está na garagem

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Hoje não se trabalha”

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  1. Aí o trabalho é bastante diferente. Funciona tudo a passo de caracol e muitas vezes é preciso recorrer às “cunhas” para adiantar o processo.

    Quando o salário minimo de um angolano é de 50 usd e o nivel de vida carissimo, realmente não vejo nenhum incentivo em ir trabalhar.

    O aluguer de casas em Angola é o “negocio da China”. As rendas ainda estão mais caras desde que sai de Luanda, seja de apartamentos ou de vivendas. É chocante, muitas pessoas não acreditariam quão altos são os preços.

    Em relação aos elevadores, são poucos os prédios habitaveis que têm o elevador a funcionar. Com as faltas constantes de luz acaba por não ser mau de todo não haver elevador.

    Vivi num prédio que por acaso tinha o elevador a funcionar e até tinha bom aspecto mas uma vez em que ia no elevador faltou a luz, e fiquei uma hora dentro do elevador. Devo dizer que não gostei nada da experiência!

  2. Ouvi hoje que o aluguel de um apartamento da rua Amilcar Cabral (prédio velho) pode custar USD 2 mil /mês, se estiver em mal estado. Ou USD 7 mil /mês, se estiver reformado.
    Um ano antecipado.

  3. Realmente, sem tecto nem paredes um povo não se endireita. E resta resguardarem-se entre tijolos e pedaços de chapa…
    Quando trabalhar não compensa, um país está bem condenado.

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